Povo saberá erguer e pode contar com a clava forte da Justiça
É chegada a hora de, parafraseando o mote de Osório Duque Estrada no hino nacional brasileiro, clamar aos filhos de nossa sofrida pátria pelo enfrentamento da luta.
No tempo de Nelson Rodrigues, polêmico dramaturgo, jornalista e fanático torcedor do Fluminense, a seleção brasileira era a pátria de chuteiras. Hoje, muitos arriscam que seleção — no sentido de brio e garra patrióticos, sem falar no talento e criatividade — já não temos de há muito para torcer. Quanto à pátria, sua própria noção se esfumaçou — um pouco pela globalização galopante e implacável dos tempos modernos, mas certamente muito mais pela falta de cultivo de um sentimento de nação que, imperceptivelmente, passou à dimensão do abstracionismo.
Dirão alguns mais atentos, mas por que isso? Onde anda a teimosa alegria de nossa gente nessa época dos tristes marcada por uma avassaladora crise simultaneamente econômica, politica e moral, quando todos os valores que sustentam uma nação na sua base mais sólida parecem ter ruído.
Ainda outro dia, a presidente da República anunciava que vetaria um projeto de lei de reajuste de servidores do Judiciário da União, por contemplar valores excessivos nestes tempos de crise e contenção de despesas. Não se discute que o veto de projetos aprovados no Congresso Nacional seja prerrogativa presidencial. Mas o que o anúncio prematuro do veto provocou? Na mesma noite, em entrevista ao Jornal Nacional, acompanhada por milhões de espectadores, o presidente do Senado e do Congresso Nacional Renan Calheiros apregoou que, diante de eventual veto presidencial ao projeto, poderia o Congresso, também no uso de prerrogativa constitucional, derrubá-lo, ficando em consequência o dito (pela presidente Dilma) pelo não dito e tudo como dantes neste surreal quartel de Abrantes.
Os cidadãos brasileiros acabam atônitos e sem saber o que pensar diante desse público tiroteio institucional que, em meio aos potentes holofotes da mídia, parece desservir ao país.
Não fosse bastante, em entrevista acerca do entrevero, um ministro recentemente investido no Supremo Tribunal Federal declara à imprensa que o projeto de reajuste dos servidores do Judiciário Federal, embora originário de nossa Corte Maior de Justiça, possivelmente conteria percentual excessivo.
Ora, nem se precisa enfatizar o óbvio, de que este episódio não é isolado, antes traduzindo regra geral de desrespeito institucional, com perda substancial de seus valores constitucionais e arremesso à tábula rasa de postulados da República — como o essencial fundamento, abrigado na Constituição, da independência e harmonia dos poderes constituídos. Estes, aliás, criados pela soberania do povo (em fonte originária) e não extraídos de uma singular ou pretensa autonomia daqueles frente ao povo brasileiro, titular originário de todo o poder que dele emana. Há que honrar, senhores, a parcela de soberania delegada que exercem.
Recentemente, todos assistimos ao estrepitoso escândalo do “Mensalão”, com seus responsáveis punidos, nos limites da lei, pela autoridade incontrastável do STF como guardião e intérprete final da Carta da República.
Passados poucos meses, vem a operação “lava jato”, encetada pela Polícia Federal, trazer à luz do dia — pelo sol que é desinfetante maior — as infâmias e apontados saques de quadrilheiros contra a integridade moral e financeira da Petrobras, até então indiscutido e orgulhoso patrimônio nacional.
A nação, mesmo apreensiva, pode confiar nos seus juízes, como demonstrado pela serenidade e firmeza do ministro Teori Zavascki, do STF, e do juiz federal Sérgio Moro, condutores dos processos judiciais relativos à “lava lato”, todos envolvendo apuração de graves potenciais crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, sonegação fiscal e outros respeitantes atentados contra a integridade nacional e a possível credulidade pública diante de tanta solércia e sensação de impunidade.
Nessa quadra tão difícil, as tábuas da lei não podem ceder. A Constituição e as leis da República, conduzidas pela alta responsabilidade de que investido o Poder Judiciário, não deverão ser repasto de inescrupulosos agentes da mais letal corrupção.
O tributo ao equilíbrio das instituições não faltará nessa quadra de tantas incertezas que povoam um cenário nacional ainda nebuloso. Este necessário ponto de equilíbrio será dentro da curva dos altos postulados que se apresentam à nação. Certa feita ouvi de um dos vultos mais proeminentes do cenário nacional — o jornalista Barbosa Lima Sobrinho, por muitos anos presidente da Associação Brasileira de Imprensa — que a missão última do Judiciário é fomentar civilização.
Por tudo isso, não há descrer dos demais poderes como instituições essenciais ao sistema democrático, sobrelevando, outrossim, a alta relevância da imprensa livre, do Ministério Público e da advocacia como instrumentos indispensáveis ao funcionamento do Estado Democrático de Direito.
Mas, ao cabo dessas singelas reflexões, fica a esperança de que os filhos desta terra ainda generosa diante de tantas violações e agravos, saberão erguer e poderão contar — em meio ao interregno de tanto espanto e perplexidade — com a clava forte da Justiça.
Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho é desembargador e presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
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