Ela estava feliz.
Parecia que naquela noite todos os pedaços da alma estavam colados e ela mal percebia as emendas. As cicatrizes descansavam desbotadas, resignadas. Não repuxavam nem gritavam mais. Não havia lembrança dolorida que fizesse eco ou conseguisse se esgueirar pelas frestas da memória. Uma estranha blindagem envolvia seu pensamento. Naquela noite, a tristeza foi se encostar em outro lugar ou quem sabe descansar.
Ela estava em festa.
Era como lançar no mar um navio que por muito tempo ficou no estaleiro sendo consertado. Naquela noite ela estava inteira, confortável com seu corpo, seu rosto, seu vestido novo. Não, não havia acontecido nada de novo. Nenhum encontro, nenhum prêmio, nenhuma grande ideia.
Ela estava de volta. Só isso.
Por muito tempo esteve encolhida, ausente, pela metade. Por muito tempo assistiu a vida passar e o tempo escorrer triste pelo ralo. Agora ela estava de novo em casa: de volta para si mesma. Não havia mais espaço vazio dentro dela. Uma maré de desejos, planos, afetos e alegrias foi invadindo tudo que ficara seco, desabitado, devastado. Alma, horizontes, olhar, tudo expandido. Uma imensa parte dela foi reconquistada. A opressão da tristeza foi banida.(Que venham até outras tristezas, mas não aquela velha conhecida!). Os invasores foram finalmente derrotados: ela não estava mais sob o domínio do ressentimento nem da impotência. Seus olhos brilhavam de novo.
Ela estava liberta.
Nós, mulheres, não estamos nessa vida para brincar. Somos imensas, somos intensas, somos loucas, somos santas, somos fênixes. Não temos medo de sofrer! Temos um corpo elástico, penetrável, expansível. Jorramos sangue, leite, lágrima. Concebemos, gozamos, parimos. Morremos de rir, de raiva, de ciúmes, de cansaço, de tesão inúmeras vezes no mesmo dia. Quando a vida bate forte a gente acusa o golpe: choramos, pensamos que vamos morrer, deprimimos, vamos para o fundo do poço para depois emergirmos inteiras, curadas, mais fortes. Somos resilientes!
Muitas vezes precisamos parir a nós mesmas, brigar para nascer de novo. Por isso, a despeito do motivo e do tamanho da dor que sentimos, podemos ter certeza de que somos maiores que ela porque somos teimosas, somos guerreiras, somos sábias, acreditamos no amor, gostamos da alegria, temos fé.
Acredito nessa estranha mania de ter fé na vida, acredito que toda mulher deva encerrar os ciclos e suas dores bem vividas com dignidade e inteireza para então dizer de peito aberto: estou feliz, estou em festa, estou de volta, estou liberta.
Afinal, se não temos medo de sofrer também não temos medo de ser felizes.
Isso é coisa de mulher!
(Hilda Lucas - Fonte: http://mdemulher.abril.com.br/bem-estar/colunistas/hilda-lucas/isso-coisa-mulher-542849.shtml)
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