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Era uma vez um galinheiro:
As galinhas, em seu ministério. Ao final de cada ovo, sofridamente botado, cacarejavam em um misto de alívio e orgulho.
Os pintinhos, pintando e bordando, esperando sua vez para entrarem na cadeia produtiva, como é esperado da prole.
O galo. Aquele que, aparentemente, só fazia cantar de madrugada, dando início ao expediente. Apenas aparentemente, pois sua supervisão e liderança garantiam que a vida continuasse correndo de forma organizada e respeitosa.
Entretanto, chegou o dia em que os ventos da globalização sopraram sobre aquela comunidade. Como resultado, alguém achou que aquele empreendimento um tanto rústico precisava de uma dose de glamour e contratou um pavão para a equipe. O novo contratado chegou dizendo-se orgulhoso em fazer parte daquele time e que vinha para somar.
Que o galinheiro ficou mais bonito, isso ficou. As galinhas gostaram do novo colorido do ambiente. Pintinhos e as pintinhas adolescentes passaram a pedir o corte de penas da cauda em “estilo moicano”, imitando o leque da cauda do galã. A princípio, o galo ficou ressabiado, mas até gostou – enfim, tinha alguém para fazer aquele papel de receber visitantes, ficar se exibindo e fazendo sala. O pavão parecia ser o toque de celebridade que faltava ali. Teve gente que até achou que os ovos passaram a sair mais saborosos.
Mas já diria o tinhoso, no filme “O Advogado do Diabo”, que a vaidade é seu pecado preferido. Percebendo o valor de sua contribuição, o pavão passou a ter aquele comportamento típico daqueles que “não podem ter um banquinho à frente, que já querem subir para fazerem um discurso”. Agora, além de pavonear, o bonitão também achou que podia fazer o canto do início do expediente, estabeleceu que o anúncio de novas unidades produzidas deveria seguir novo padrão e não era coisa para ser feita só na base do cacarejo puro e simples. A gota dágua foi quando sugeriu a reengenharia do ovo: quadrado seria melhor – um design esteticamente mais sofisticado, além de maior facilidade no manuseio e estocagem. Coloque-se no lugar das galinhas, meu amigo.
Em pouco tempo, a situação ficou em pé de guerra: sindicato das botadoras de ovo reivindicando, ao mesmo tempo, participação nos lucros, adicional de periculosidade e entrando com processo de assédio moral, filhotes perdidos em meio à crise no comando, galo sendo desobedecido e desautorizado a todo momento, sem saber como restabelecer a ordem e o pavão… cada vez mais pavão.
Depois de alguns meses de óbvia queda de produtividade e qualidade, além de um clima organizacional caótico, o dono do galinheiro resolveu intervir. Chamou galo e pavão para uma reunião a cercas fechadas. Passou um pito no pavão, dizendo a ele que tomasse tento, pois o diretor geral ainda era o galo. Depois da descompostura geral, chamou toda a tropa e reforçou o recado. O galo tinha sua liderança reafirmada.
Pavão ficou um pouco amuado durante um tempo, mas terminou por entender que aquilo era o melhor para todos. Submeteu-se à liderança do galo. Galinhas e filhotes saudaram o restabelecimento da liderança.
O galo, ainda um tanto melindrado com aquele tempo de desrespeito à sua liderança, até cogitou alguma retaliação em relação àquele petulante, que havia sido tão insubordinado. Mas desistiu. Quem é seguro de seu papel não precisa ser arrogante ou vingativo. Além disso, é papel da liderança sempre tomar a iniciativa de trazer de novo o respeito e a paz, dando fim a ciclos de hostilidades.
E viveram felizes… não para sempre, claro – pois outras mudanças viriam. Mas isso já é outra história.
Fonte: Laercio Ribeiro's Blog - https://posteino.wordpress.com/2010/09/13/cronicas-de-um-galinheiro/
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