Tenho uma relação de amor e ódio com a CPMF. Esse sentimento contaminou minha avaliação sobre sua recriação, denominada agora de CSS para financiar o sistema público de saúde. A CPMF, ou IPMF como foi originalmente denominado o tributo, derivou da proposta do Imposto Único sobre movimentação financeira que idealizei em 1990. A idéia inicial era acabar com todos os tributos arrecadatórios e substituí-los por apenas um imposto que seria cobrado sobre as transações nas contas-correntes bancárias. Mas o que deveria ser um tributo único se transformou, de modo oportunista, em um imposto a mais a infernizar a vida dos contribuintes, gerando compreensível insatisfação da sociedade.
A CPMF foi afronta aos princípios filosóficos do Imposto Único. Mas teve um lado positivo ao testar a eficácia de um imposto sobre movimentação financeira, que era então totalmente desconhecido. A experiência comprovou que esse tipo de imposto consiste em uma forma eficiente de arrecadação, com enorme potencial de geração de receita e de baixo custo, e absolutamente justo, pois elimina a evasão de tributos, fenômeno concentrador de renda nas camadas mais ricas da população.
Hoje o governo fala em criar a CSS. Apesar de ser bom tributo, o “imposto do cheque” foi travestido de vilão. Houve mesquinharia política e outras razões menos nobres para explicar por que condenaram a CPMF — referida pelo renomado tributarista Vito Tanzi como uma das mais importantes inovações tecnológicas tributárias dos últimos anos — a assumir o papel de bode expiatório de todas as mazelas tributárias nacionais. Análises incompletas e equivocadas foram manipuladas para serem tidas como verdadeiras e hoje poucos têm a coragem de defender esse tributo apesar de suas reconhecidas qualidades.
Contudo, cabe lembrar que a CPMF é repudiada se for um tributo a mais a elevar a carga tributária brasileira. Porém seria aceita pela sociedade se fosse instituída como substituta de outros tributos. Levantamento realizado pela empresa Cepac (Pesquisa & Comunicação) revela que 64% das pessoas a aceitariam se ela substituísse, por exemplo, a contribuição ao INSS incidente sobre a folha de pagamento das empresas.
Assim, fico dividido quanto à CSS. Trata-se de tributo justo e eficiente, mas aumenta a carga tributária e permite a continuidade do esfolamento do contribuinte brasileiro. Pesando os argumentos a favor e contra, coloco-me contrário à sua criação.
Em primeiro lugar, sou contra a CSS por ela não substituir nenhum dos atuais impostos, que são escorchantes, injustos, distorcivos e ineficientes. Como ocorreu com a CPMF, trata-se de criar mais um imposto e, nesse sentido, não concordo com a intenção do governo de aumentar o arrocho tributário sobre o setor produtivo e a classe média.
Em segundo lugar, porque o governo precisa fazer ampla e radical reforma tributária e qualquer remendo, por mais necessário que seja, apenas dará mais fôlego para a manutenção da atual estrutura, falida e disfuncional. É preciso coragem para desmontar o atual modelo. Dar-lhe continuidade através de tributo que será arremedo de solução apenas postergará o sofrimento do contribuinte.
Em terceiro lugar, manter o atual sistema, amparado pelas muletas da CSS, agravará as distorções sociais e econômicas que uma reforma tributária deveria corrigir. Uma das forças concentradoras de renda no Brasil encontra-se na estrutura de impostos, profundamente regressiva e vulnerável à evasão. Os ricos encontram brechas para sonegar impostos e os trabalhadores são punidos de forma compensatória pagando mais tributos por conta do elevado ônus sobre os salários e sobre o consumo. No momento em que se busca o fortalecimento do mercado interno de massa, nada seria mais eficiente do que um modelo tributário capaz de fazer os atuais contribuintes pagarem menos imposto e os sonegadores começarem a pagar a sua parte.
A CSS é agressão ao contribuinte brasileiro e deve ser rejeitada pela sociedade, mas, se houver coragem e determinação para se fazer ampla reforma tributária, tornando a movimentação financeira a principal base impositiva, o quadro muda radicalmente, e toda a sociedade deve bradar um sonoro sim a essa forma de tributação.
(Marcos Cintra -Doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas - Fonte Correio Braziliense)
amiga...
ResponderExcluirseja o que for que façam...o povo é que paga!
bjs
Muito boa a matéria, pena que o povinho é "acomodadim" de mais.
ResponderExcluirAbraços forte