quarta-feira, 5 de abril de 2017

"Ai de ti, Brasil!"

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Profetas políticos clamam: "Ai de ti, Brasil!"

Ai de ti, Brasil! (Só me resta parafrasear o célebre texto de Rubem Braga, prevendo o fim de Copacabana). 

Ai de ti, Brasil! Eu te mandei o sinal e não recebeste, eu te avisei e tu me ignoraste, ajeitando o brinco, displicente como uma prostituta! Ai de ti! Eu te analisei com o fervor romântico durante sete anos e riste de mim, de modo que só me resta o anátema, a maldição. Ai de ti, Brasil!... Eu já vejo os sinais de tua perdição, os albores de tua tragédia de fim-de-século, como sarças de fogo, onde queimarás.

Ai de vós, gargalhadas infinitas que ecoam com mil dentes brancos nas revistas coloridas, nas colunas sociais, pois virareis um pranto convulsivo. Malditos sejam esses sorrisos que visam a esconder a depressão, pois hoje em dia a tristeza não é "comercial"; vossos risos são cínicos, de triunfo, de orgulho por um narcisismo feio, sem motivo, porque sois deselegantes, tronchos, mal vestidos.

De que rides? Rides para demonstrar felicidade e sucesso, quando eu sei de vossas cavas angústias intramuros, vossos quartos de dormir onde moram o desamor e o egoísmo burro, sei de vossas histéricas mulheres, frígidas e desamparadas, de vossas ejaculações precoces, de vossa incapacidade de amar, de vossos chifres, sei dos Ricardões que vivem de vossas peruas, sei de vossos grossos prazeres, sei que almejais a ignorância por opção ideológica, para que nenhuma idéia toque vossas almas devotadas profundamente ao superficial, para que nenhum conceito novo, nenhum quadro, nenhum verso, nenhum sentimento complexo ofusquem vossos biribas, desfaçam vossos penteados, vossos "leopoldos" dos jantares sem fim.

Ai de vós, dentes brancos e lábios debochados, pois vossos risos apodrecerão, depois de consumirem toneladas de camarões em cascata e de frios "profiteroles".

Ai de ti, cafajeste financeiro, que se orgulha do crime como esperteza e que, numa hábil manobra, transforma o roubo em jogada, em operação contábil, vira a predação do dinheiro público em artes de espadachim; malditos sejam os que transformam informação privilegiada em consultoria, "insider" em dica e que acumulam milhões sem nada produzir, apenas para desfilar em Miami de bermudas cor-de-rosa e gargalhar com amantes em sinistros restaurantes.

Vossa idéia de felicidade é a exclusão da dúvida, da dor do mundo, da idéia de "trabalho", vossa idéia de felicidade é banir o inconsciente e as conquistas da civilização. Vós almejais entrar na mídia como náufragos na arca de Noé; vendeis tudo, fazeis qualquer coisa para sair do anonimato; vossas bundas, seios, bocas, poltronas, louças, diamantes são expostos à inveja pública para emergires em uma piscina ou no programa da Hebe.

Descobristes que não é preciso estudo, esforço; basta aparecer na revista e estareis salvos. A ilha de "Caras" é vossa utopia. Vossa idéia de felicidade é uma imitação em "papier-maché" da corte de Luís 14.

Quando a princesa Carolina se rebelou contra Chiquinho Scarpa, a hiperperua contra o velho playboy, a falsa aristocrata contra a falsa burguesia, eu vi que era chegado o sinal. A grande punição está a caminho. Ai de vós, proprietários orgulhosos de peixes de murano, elefantes de prata, vasos ming falsos e móveis "catete-gótico" e Luís 15-Itaim. Malditos sejam vossos "leggings", vossas bolsas Chanel, vossas gargantilhas de pérolas.

Vós não precisais de sátira, pois sois a autocaricatura encarnada. Não conheceis a história dos ridículos? Nunca vistes Fellini, Hoggarth, Daumier, nunca lestes Flaubert ou ao menos Pitigrilli? Vós vos pensais eternos e quereis nos convencer de que sois a natureza humana, de que tudo sempre foi assim mesmo, neste mundo iluminado por vossa cafajestice. Sei que não adianta vos amaldiçoar, pois nunca mudareis, a não ser pela morte, a guerra ou a catástrofe social.

Pois esse dia está chegando. Já vejo Brasília com suas torres brancas apontando sobre o mar de lama que fecundará o cerrado, já vejo a grande São Paulo inundada pela periferia, tropas de rappers invadindo os Jardins e cobrando pedágio para vossas Mercedes. 

Escondidos atrás das cercas elétricas ou fugindo para Miami, vereis então o que fizestes com o país, com vossa persistente falta de vergonha.

Ai de ti, Brasil! Malditos sejam nossos roubos seculares que provocam CPIs recorrentes, mas malditas sejam também as CPIs que visam a limpar ladrões que as convocam e nos fazem esquecer crimes antigos, malditos palhaços e demagogos, que viram as CPIs em shows melodramáticos diante da TV. Malditas CPIs que visam a substituir as reformas de que o país precisa, pela busca dos detalhes do óbvio e do já sabido.

Mas, também, benditas CPIs que nos brindam com "nicolaus" e "cacciolas", nos educando na saga da sordidez. Ai de vós, tecnocratas "pitbulls" com coração de pedra, que não tendes pudor de roubar um país de famintos e miseráveis. Mas eles se desentocarão, e seus trapos sujos brilharão mais que vossas gravatas Armani e vossos ternos de microfibra.

Nunca o Brasil esteve tão perto de melhorar e tão malparado pela ausência de projetos, porque vós, filhos de Caim, vós não permitistes mudança alguma, reforma alguma, com vossas perpétuas sabotagens, vossa inércia, vossos seculares gestos de bloqueio ao progresso. Ai dos que afirmam amar a democracia apenas porque ela, mais leniente, permite no Brasil todas as canalhices impunes. Ai de ti também, FHC, que, por falta de paixão, deixaste nossa maior chance histórica virar uma sopa fria...

E ai de vós, artistas e intelectuais que não protestais contra esse alarmante estado de coisas -sereis engolidos por pagodeiros e chanchadas e sangrentos best sellers imbecis. Ai de ti, academia, que tens nojo do "capitalismo fetichista" e não metes a mão na ("helás") merda...

A ira de Deus não vai tardar. O Brasil está fadado a ser não um Canadá, nem uma África, mas certamente um grande Porto Rico, uma charada sem rumo, no eterno pêndulo entre o liberalismo oligárquico e o populismo oportunista.

Canta, Brasil, canta tua última canção! Vai, Brasil, canta e dança na boquinha da garrafa, na boquinha do século 21...



Arnaldo Jabor - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq11059916.htm

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