terça-feira, 28 de outubro de 2008

Os olhos da Cara


Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mu­lheres de todas as raças, credos e idades. Principalmente idades. Lá peIas tantas fui ques­tionada sobre a minha e, como não me en­vergonho dela, respondi. Foi um momento ines­quecí­vel. A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito. E quando eu disse que, até aqui, ainda não enfiei uma única agulha no rosto ou no corpo, foi mais emocionante ainda: 'Ooooo­ooooooooooohhhhhh!' Aí­ fiquei pensando: 'Pô, estou neste auditório há quase uma hora exi­bindo minha incrí­vel e sensacional inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho. Onde é que nós estamos?'

Onde não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'. Estão todos em busca da reversão do tempo, e com sucesso: quanto mais ele passa, mais moços ficamos ok, acho ótimo, porque de­crepitude também não é meu sonho de con­sumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.

Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas mesmo em idade avançada. A fonte da juventude chama-se mudança.

Eu sei disso, você sabe, e a escritora Betty Milan. também, tanto que enfatizou essa frase em seu mais recente livro, 'Quando Paris cintila'. De fato, quem é escravo da repetição está con­denado a virar cadáver antes da hora. A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter dispo­sição para guinadas. É assim que se morre jovem, sem precisar ter o mesmo destino de um James Dean ou de uma Marilyn Monroe. Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.

Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou do apar­tamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu. Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos de idade. Rejuvenesceu. Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego em Porto Alegre por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol. Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emo­cional. Antes de se tomar uma decisão difí­cil, e durante a tomada, chora-se muito, os ques­tionamentos são inúmeros, a vida se deses­tabiliza. Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí­ a recompensa fica escancarada na face.

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna. Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho. Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar. Um olhar iluminado, vivo e sagaz impede que a pessoa envelheça. Olhe-se no espelho. Você tem um olhar de quem estaria disposta a cometer loucuras? Tem que ter.

E aí­ pode abrir o jogo, contar a verdade: tenho 39, 46, 57, 78 anos! Ooooooohhhhhhh. Uma guria.

(Martha Medeiros)

Um comentário:

  1. Esse texto me lembrou o chato do Dr. Drausio Varella que disse: "- O mundo está investindo tanto em remédios para distúrbios de ereção e em novas próteses mamárias, em vez de buscar a cura do Mal de Alzheimer, que em breve teremos um monte de velhas peitudas e velhos de pinto duro sem se lembrar o que fazer com esses atributos..."

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