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Um fantasma assola as esposas: não mais a vizinha boazona mas uma máquina gélida – o computador. Mais propriamente, a net, em cujas curvas virtuais os maridos derrapam até às quinhentas da madrugada, atrás de conteúdos eróticos e, até, facadas no matrimónio. As alcovas são agora o Explorer, o Firefox, o MSN, o Hi5.
A revista ‘Atlantic’ publicou um ensaio: ‘Será a pornografia adultério?’ Eis a questão: quando um dos cônjuges tem o hábito (geralmente secreto) de assistir a material porno, será que o outro se sente traído? E terá esse direito?
Uma pesquisa nos EUA mostrou que só 30% das mulheres já se embrenharam num site erótico, contra 86% dos homens. O ensaio conclui que, bem mais do que as damas, os marmanjos alimentam o desejo com fantasias sexuais conscientes e pormenorizadas. Será mesmo assim? Até 40 anos atrás, a nossa cultura fingia que as mulheres não tinham sequer libido – nasciam mamãs abnegadas e fadas do lar.
Ora, é cómodo esquecer que um dia, numa galáxia distante, o parceiro da vida já foi um príncipe encantado inspirador de taquicardias, e não o sapo que hoje ressona no sofá. Creiam-me: também elas vivem as suas aventuras virtuais, realizando fantasias sem rupturas –depois, acolhem os esposos como se o dia tivesse sido mais um na rotina infinita.
Bem, antes à tarde do que nunca. A revista acha que as escapadelas virtuais dos varões não devem suscitar ciúmes nas mulheres, na medida em que tal passatempo acaba por robustecer o erotismo masculino – e assim também beneficiar as consortes. A ideia é de que podemos pôr os palitos na nossa cônjuge (e vice-versa) sem lhe faltar com o respeito. Tenho as minhas dúvidas.
A novidade cibernética, a meu ver, é esta: eles e elas encontraram na net um instrumento para compensar a insatisfação crónica com a vida que levam. Já não como as quimeras solitárias de uma ‘Madame Bovary’, mas numa espécie de ‘bovarismo a dois’.
Hoje, o devaneio é sustentado pelo diálogo virtual com alguém que pode estar a milhares de quilómetros de distância – o que facilita imenso a duração do encantamento. Mas, pessoalmente, creio que um casal só funciona quando um consegue fazer parte das fantasias do outro. Senão, caímos numa cena de um dos meus romances, em que tanto o marido como a esposa falham o acto sexual. Ela resmunga-lhe: 'O que é que se passa? Também não consegues pensar noutra pessoa?'
(Paulo Nogueira)
domingo, 7 de dezembro de 2008
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