Se os candidatos ao exame do Enem fossem submetidos a um exame oral de História, se tivessem de dissertar sobre o que houve de mais importante no Brasil do século 20, se entre os julgadores figurasse o professor Antônio Cândido, imagine que nota daria o intelectual companheiro a um candidato que dissesse o seguinte:
“Entre os anos 20 e 30, quando a gente teve a Semana de Arte Moderna, o Brasil cumeçô a se pensar como país, depois houve a Revolução de 30, saiu da República Velha, depois, ali no final dos anos 50 e nos anos 60, teve Brasília, a bossa nova, o cinema novo, toda também uma discussão sobre os caminhos do futuro do país, né?, a discussão sobre a identidade. Acho que nós vivemo um momento igual”.
Esqueçamos as agressões ao português. Fiquemos no conteúdo. Como toda semana, também a Semana de Arte Moderna ─ que se realizou não “entre os anos 20 e 30″, mas em 1922 ─ durou sete dias. Foi um evento importante, mas não obrigou “a se pensar como país” um país que existia desde 1500. Antonio Cândido sabe disso. Sabe, também, que não foi pouco o que houve entre a Revolução de 30, que aposentou a República Velha, e “o final dos anos 50 e nos 60″.
Houve, por exemplo, a Revolução de 1932, a Intentona Comunista, a rebelião integralista, o Estado Novo, a Segunda Guerra Mundial, a queda de Getúlio Vargas, a redemocratização, a volta do ditador como presidente eleito e o suicídio. Também não foi pouco o que aconteceu entre o banquinho, o violão, a câmera na mão, o Plano Piloto, as curvas de Niemeyer e “o momento igual que nós vivemo”.
Houve a renúncia de Jânio Quadros, a ascensão de João Goulart, o golpe militar de 1964, a ditadura do AI-5, a Anistia, a Campanha das Diretas, a vitória e a morte de Tancredo Neves, os seis anos de José Sarney, o triunfo e o impeachment de Fernando Collor, os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o Plano Real, o fim da inflação e a Era Lula. Fora o resto.
Avaliado por Antonio Cândido, um aluno que empacotasse quase 100 anos em menos de 100 palavras não conseguiria vaga em faculdade nenhuma, muito menos na USP.
Pois foi exatamente isso o que fez Dilma Rousseff ao resolver dissertar sobre o século 20 na casa de Lily Marinho. Como o neurônio solitário não quer um lugar na Universidade, e sim a presidência da República, Antonio Cândido continua incorporado ao grupo de “intelectuais e artistas” que consideram Dilma a chefe de governo que o Brasil merece. E nenhuma declaração indigente o fará mudar de ideia.
Quem não sabe escrever o desfecho da própria biografia merece pena.
(Augusto Nunes - Veja)
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