Sua alma gelou. Convite de casamento era tudo o que ela não queria receber, já há algum tempo.
O grupo de amigos era grande. Mas, um a um, todos foram se rendendo às flechas do Cupido. Entre os poucos que restaram, ela.
Sentia uma certa vergonha. Se sentia inadequada. Não que fosse. Mas sentia. Era forte, ia além dela. Podia listar suas qualidades, seu salário, suas competências, suas viagens. Mas, quando via a noiva entrando feliz na igreja, a alma encolhia. Emocionada, chorava por ambas. Um choro de felicidade pela amiga e de interrogação por ela mesma. Até quando seguiria sem par? Será que escolhia demais? Já tinha escutado essa frase e se defendido tantas vezes que já não sabia mais o que era ou não verdade.
Chegava nos encontros do grupo. Todos acompanhados. E ela, avulsa. Se sentia o próprio mico preto. A carta sem par do jogo. Destinada sempre à solidão? Será?
Era bonita, simpática, engraçada. Superparceira. Pessoas bem “esquisitas” haviam passado sua frente na fila sem a menor dificuldade. E ela, nada.
Mas, não aparecia ninguém? Nenhum paquera? Aparecer, aparecia. Ela ia às baladas, frequentava todo o roteiro da pegação. E pegava. Mas jamais gostava de quem gostava dela. Até namorava por um tempo, depois ia se desencantando. Uns namoros relâmpagos, sem grandes roteiros cinematográficos. E rápidos.
Amigos tentavam ajudar. Amigos podem ser cruéis quando querem ajudar. Os dela eram. Veio sozinha? Cadê o fulano? Mesmo os que não interrogavam com o olhar mostravam tudo. Então, ela começava uma busca aflita por um acompanhante, a cada convite que chegava. Para fugir da artilharia pesada.
Companhia é uma coisa legal. Qualquer que seja: namorado, amigo, parente. Mas é preciso que seja boa. Isso é o que vai fazer toda a diferença.
Mas o que determina a felicidade, não é o casamento. Marido não é troféu. Não se trata de um campeonato.
Ser sozinho não é doença e nem defeito. Muitas vezes é escolha, opção. A opção de estar livre até que apareça alguém que realmente valha a pena. A escolha de não querer abrir mão de quesitos que julga essenciais no outro. Principalmente, a decisão de que não precisa de um par único e específico para seguir em frente e ser feliz.
Isto é ser solteiro.
Conheço muitos e bem satisfeitos com suas vidas. Falta um amor? Bem, na vida de todo mundo sempre falta alguma coisa. Posso fazer, em poucos segundos, uma lista enorme das minhas faltas. Isso me faz infeliz? Só se eu permitir. Porque, também em poucos segundos, posso traçar outra, com o dobro do tamanho, de tudo o que eu tenho para agradecer.
A capacidade de se divertir é individual. Poder rir do que deu errado, das besteiras que fez. Isso é tudo. Estar rodeado de pessoas assim, é muito bom. Precisa estar em um romance para isso? Não. Muitos estão acompanhados e, convenhamos, não têm se divertido muito, não.
Vamos parar de uma vez por todas com essa história de cara metade. Todos nascemos com a cara completa. Mais ou menos bonitinha. Mas completa. Metade da laranja? Gente, laranja que já me chega pela metade, vamos combinar, eu não chupo. O legal da laranja é ela chegar redonda, bonita, ir sendo descascada, num processo. Bonito é ser inteiro, sempre. Nada de metades. Metades nos tornam capengas, necessitados de bengala. A ideia de que alguém não caminha sem outro é pura balela.
Tem que ser assim: olha, eu estou aqui, inteira. Se você quiser fazer parte da minha vida, será muito bem-vindo. Poderemos nos trançar em muitos sentidos, sem cobranças infantis, sem estar junto só para fugir da angústia.
Às vezes confundimos tudo. Porque amar dá saudade. Só isso.
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