No Brasil, a simpatia tem valor supremo. Todo mundo quer ser simpático. No afã de sermos cordiais, toleramos o intolerável e aceitamos o inaceitável só para não criarmos caso e parecermos chatos.
Moro em Tóquio. Na semana passada, fiz uma rápida viagem ao Brasil. Tudo correu bem, mas achei estranho ver amigos em São Paulo jantarem com medo de arrastão e senti raiva ao descobrir que o cartão de débito, que eu usei uma única vez em um caixa eletrônico do Rio, havia sido clonado.
Ontem, saí com colegas de trabalho. Voltei para casa perto da meia-noite, pedalando minha bicicleta, sozinho. No caminho, atravessei um dos maiores parques da cidade --uma espécie de Ibirapuera local. Vi casais sentados nos bancos, namorando. Passei por vários outros ciclistas e pessoas fazendo cooper. Ninguém teve medo de ninguém.
Senti-me privilegiado. Um dos poucos brasileiros com a oportunidade de gozar a sensação de liberdade que pedalar despreocupadamente pela madrugada pode evocar. Infelizmente, isso deixou de ser possível para boa parte das pessoas nas cidades brasileiras e foi substituído pelo medo de ameaças reais.
E acabamos aceitando. Para que protestar? Uma turista foi estuprada numa van? Eliminemos as vans. Tem tiroteio na sua vizinhança? Compre uma apólice de seguro contra balas perdidas. Tem arrastão nos restaurantes da cidade? Jantemos em shopping centers.
Agora que incendiaram uma dentista em seu consultório em São Bernardo do Campo, o que faremos? Proibiremos tratamentos dentários?
Achar que esse tipo de ameaça é o preço a pagar pela vida em grandes cidades é equivocado. Nova York e Bogotá são exemplos de que políticas públicas bem implementadas são eficazes na redução radical da criminalidade urbana.
Nesta semana, a Secretaria de Segurança Pública informou que o número de homicídios na cidade de São Paulo aumentou pelo oitavo mês consecutivo. No entanto, em um país com os recursos do Brasil, ninguém deveria transitar pelas cidades como quem passa por uma selva ou uma zona de guerra, temendo ataques de animais selvagens ou fugindo de balas perdidas.
O aperfeiçoamento das sociedades democráticas exige a expressão política do povo. Do contrário, degringola. Democracia é bom, mas dá trabalho. Não é algo que se possa abandonar nas mãos de Deus.
O povo brasileiro tem a obrigação de manifestar à classe política sua indignação e seu inconformismo. Os políticos funcionam sob pressão. A expressão da opinião pública é mais poderosa do que parece.
Em 1923, Tóquio foi devastada por um terremoto. Voltou a ser destruída na Segunda Guerra Mundial. A cada vez, seus habitantes transformaram suas ruínas em construções. Nós, brasileiros, temos de nos educar e fazer o mesmo.
Ficar omisso, querendo ser simpático, enquanto a qualidade de vida nas cidades brasileiras se degrada, é inconsequente. É como fechar a porta da cozinha para não ver a louça suja que temos de lavar.
Parece cordialidade e simpatia, mas é comodismo e preguiça.
(ALEXANDRE VIDAL PORTO - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/alexandrevidalporto/1269736-simpatia-nao-e-tudo-na-vida.shtml)
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