terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ler é o remédio


Atire o primeiro livro quem nunca buscou literatura para a afta, a cólica, o cabelo estragado, o mau-humor ou o excesso de peso

Silvia Zamboni/Folhapress
A dona de casa Cristina Nagao, fã da autoajuda saudável


Começo o dia com a "bebida de Jafé", mix de frutas, iogurte e farinha de linhaça que, diz o livro "A dieta de Jesus" (Planeta, 144 págs., R$ 19,90), é antioxidante.


Tento preparar um lanche para levar ao trabalho, algo que melhore o humor e deixe a cintura fina, como orienta o "Coma e Seja Feliz" (Thomas Nelson Brasil, 320 págs., R$ 34,90). Duas colheres de abacate amassado, 1/4 de xícara de alfafa, 1 fatia de cebola e... já estou estressadíssima. Alguém tem toda aquela lista na geladeira ou tempo para picar tudo antes do batente? Para ter humor, cintura e ser feliz, cozinheira é essencial.

No almoço, folheio outro livro saudável, o "Manual do Proprietário" (Delphos/Aguiar, 224 págs., R$ 45). Que prega guardar um dia por semana só para líquidos, nada de mastigar. Tarde demais.

Decido tentar "Mulheres, Comida & Deus"(Lua de Papel, 192 págs., R$ 27,90), já que a autora costuma levar pacientes a retiros espirituais que pregam a não-dieta.

Mas há regras também na não-dieta, descubro, saudosa do tempo em que bomba de chocolate era só bomba de chocolate, não frustração, como afirma um capítulo.

Difícil ser "Magra e Poderosa" (Audiolivro, 5 horas, R$ 24,90), como nos querem Rory Freedman e Kim Barnouin. As duas americanas tinham péssimos hábitos alimentares até que se conheceram numa agência de talentos (aqui é de empregos, mesmo), estudaram "nutrição holística" e lançaram o título que está entre os best-sellers do "New York Times". Ao menos, são mais divertidas que a fofa de "Reeduque seu Cérebro, Remodele seu Corpo"(DVS, 225 págs., R$ 42). Para essa autora, peso extra é igual a "cérebro preguiçoso".

Só na última Bienal do Livro, foram lançados pelo menos 700 títulos sobre saúde e mais 200 sobre beleza, todos na base do "como fazer".
No ano passado, a autoajuda representava 5,44% do total de livros produzidos no Brasil, de acordo com informações da Câmara Brasileira de Livros.

No Reino Unido, a editora da Amazon, Fiona Buckland, diz que o filão saúde-beleza cresce em média 40% ao ano.

"Isso é um retrato dessa cultura que enxerga o corpo como capital. Saúde é o que mostramos, o que aparece, não é mais o que somos interiormente ou ausência de dor", diza antropóloga Mirian Goldenberg, colunista do Equilíbrio. "Esses livros vendem a concepção de um corpo jovem e que não vai morrer nunca. Esse é "o" mercado", diz Goldenberg.
"A autoajuda na saúde está ganhando cada vez mais valor na sociedade atual. Mas se as pessoas têm preocupações reais com o corpo e a mente, deveriam procurar um médico", afirma o vice-presidente do grupo de médicos de família da Inglaterra, Graham Archard.

É a mesma opinião de seu colega brasileiro, Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. "Prescrever dieta é coisa de médico e nenhum profissional de projeção realmente importante escreve essas obras com tanto apelo mercadológico", opina.

Mas então esses livros são perigosos? "Nada. A pessoa compra, faz uma sopinha e em seguida o livro vai ficar na estante", diz Lopes.

Não é a intenção da dona de casa Cristina Nagao, 41, que saiu da Bienal do Livro na sexta retrasada carregando cinco sacolas.

"Comprei o "Estilo Saudável" (Alaúde, 192 págs., R$ 29,90) da Cátia Fonseca, sabe, apresentadora do "Mulheres?'", disse, referindo-se a um veterano programa de TV e mostrando a capa.

Ela conta que, depois de uns livros, mudou de vida. Quase não come frituras e toma bastante água, mas a ginástica, confessa, ainda não entrou na sua rotina.

O que ela aprendeu de mais importante nesses livros? "Que a cozinha pode ser uma fonte imensa de bactérias. Agora, sempre que chego da feira lavo tudo e tiro dos plásticos cor-de-rosa."

A administradora de empresa Silmara Mendonça, 36, comprou "50 Frutas e seus Benefícios Medicinais" (Elevação, 152 págs., R$ 19,90) e estava encantada com o poder de um unguento de folha de abacateiro contra aftas.

Silmara também investiu em "Dr. Cabelo" ( Elevação, 192 págs., R$ 28,40). "Eu sei que chapinha faz mal, mas não sabia que água de coco batida com a polpa melhora o estrago", contou.

Ela afirma adorar dicas, acha que essa categoria de leitura é mais útil do que romances. "Romance? Só quero com o meu marido", falou assim, bem prática.

Antes de comprar um desses livros é legal saber quem é o autor, pesquisar sobre ele. Quem recomenda é o médico Antonio Carlos Lopes.
Os fisioterapeutas Alessandra Concurueo, 25, e Rafael Reichler, 28, consumidores de livros de saúde, sabem o que levam para casa. "Há editoras especializadas, é melhor comprar de quem entende", diz Rafael.
Para o sociólogo Dario Caldas, do Observatório de Sinais, imaginar que os títulos espetaculosos manipulam pessoas "ingênuas" é voltar aos anos 60, quando a TV era culpada por tudo. "Os livros funcionam para uma parcela da população. Mesmo que sejam como bálsamo."

"As pessoas querem saber "como" tudo. Da felicidade ao nó de gravata", diz Caldas, segundo quem há uma nova safra de livros desse tipo que são muito úteis. Tipo "Atividades do Dia-a-Dia Sem Segredos - Para Deficientes Visuais", da fundação Dorina Nowill. Mas ele também não se incomoda com obras que ensinam a limpar a pele. "Agora, educar a comer e a ser feliz, acho complicado."

Não dá para lutar contra a autoajuda, melhor aderir. Se as dicas e receitas não funcionarem, ponho para rodar o audiolivro "Ame Suas Rugas" (Universidade Falada, R$ 11,99) e relaxo.

(MARIANNE PIEMONTE - Fonte: Folha de São Paulo)

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