Entrevista onde o psiquiatra Flávio Gikovate decreta a morte do amor romântico e diz que a vida de solteiro é um caminho viável para a felicidade
Duda Teixeira
"Para os meus pacientes, eu sempre digo: se você tiver de escolher entre o amor e a individualidade, opte pelo segundo." |
Gikovate - Sim. As pessoas que estão casadas e são felizes são uma minoria. Com base nos atendimentos que faço e nas pessoas que conheço, não passam de 5%. A imensa maioria é a dos mal casados. São indivíduos que se envolveram em uma trama nada evolutiva e pouco saudável. Vivem relacionamentos possessivos em que não há confiança recíproca nem sinceridade. Por algum tempo depois do casamento, consideram-se felizes e bem casados porque ganham filhos e se estabelecem profissionalmente. Porém, lá entre sete e dez anos de casamento, eles terão de se deparar com a realidade e tomar uma decisão drástica, que normalmente é a separação.
Veja - Ficar sozinho é melhor, então?
Gikovate - Há muitos solteiros felizes. Levam uma vida serena e sem conflitos. Quando sentem uma sensação de desamparo, aquele "vazio no estômago" por estarem sozinhos, resolvem a questão sem ajuda. Mantêm-se ocupados, cultivam bons amigos, lêem um bom livro, vão ao cinema. Com um pouco de paciência e treino, driblam a solidão e se dedicam às tarefas que mais gostam. Os solteiros que não estão bem são geralmente os que ainda sonham com um amor romântico. Ainda possuem a idéia de que uma pessoa precisa de outra para se completar. Pensam, como Vinicius de Moraes, que "é impossível ser feliz sozinho". Isso caducou. Daí, vivem tristes e deprimidos.
Veja - Por que os casamentos acabam não dando certo?
Gikovate - Quase todos os casamentos hoje são assim: um é mais extrovertido, estourado, de gênio forte. É vaidoso e precisa sempre de elogios. O outro é mais discreto, mais manso, mais tolerante. Faz tudo para agradar o primeiro. Todo mundo conhece pelo menos meia-dúzia de casais assim, entre um egoísta e um generoso. O primeiro reclama muito e, assim, recebe muito mais do que dá. O segundo tem baixa auto-estima e está sempre disposto a servir o outro. Muitos homens egoístas fazem questão que a mulher generosa esteja do lado dele enquanto ele assiste na televisão os seus programas preferidos. Mulheres egoístas não aceitam que seus esposos joguem futebol. Consideram isso uma traição. De um jeito ou de outro, o generoso sempre precisa fazer concessões para agradar o egoísta, ou não brigar com ele. Em nome do amor, deixam sua individualidade em segundo plano. E a felicidade vai junto. O casamento, então, começa a desmoronar. Para os meus pacientes, eu sempre digo: se você tiver de escolher entre amor e individualidade, opte pelo segundo.
Veja - Viver sozinho não seria uma postura muito individualista?
Gikovate - Não há nada de errado em ser individualista. Muitos dos autores contemporâneos têm uma postura crítica em relação a isso. Confundem individualismo com egoísmo ou descaso pelos outros. São conceitos diferentes. Outros dizem que o individualismo é liberal e até mesmo de direita. Eu não penso assim. O individualismo corresponde a um crescimento emocional. Quando a pessoa se reconhece como uma unidade, e não como uma metade desamparada, consegue estabelecer relações afetivas de boa qualidade. Por tabela, também poderá construir uma sociedade mais justa. Conhecem melhor a si próprio e, por isso, sabem das necessidades e desejos dos outros. O individualismo acabará por gerar frutos muito interessantes e positivos no futuro. Criará condições para um avanço moral significativo.
Veja - Por que os casamentos normalmente ocorrem entre egoístas e generosos?
Gikovate - A idéia geral na nossa sociedade é a de que os opostos se atraem. E isso acontece por vários motivos. Na juventude, não gostamos muito do nosso modo de ser e admiramos quem é diferente de nós. Assim, egoístas e generosos acabam se envolvendo. O egoísta, por ser exibicionista, também atrai o generoso, que vê no outro qualidades que ele não possui. Por fim, nossos pais e avós são geralmente uniões desse tipo, e nós acabamos repetindo o erro deles.
Veja - Para quem tem filhos não é melhor estar em um casamento? E, para os filhos, não é melhor ter pais casados?
Gikovate - Para quem pretende construir projetos em comum – e ter filhos é o mais relevantes deles – o melhor é jogar em dupla. Crianças dão muito trabalho e preocupação. É muito mais fácil, então, quando essa tarefa é compartilhada. Do ponto de vista da criança, o mais provável é que elas se sintam mais amparadas quando crescem segundo os padrões culturais que dominam no seu meio-ambiente. Se elas são criadas pelo padrasto, vivem com os filhos de outros casamentos da mãe, mas estudam em uma escola de valores fortemente conservadores e religiosos, poderão sentir algum mal-estar. Do ponto de vista emocional, não creio que se possa fazer um julgamento definitivo sobre as vantagens da família tradicional sobre as constituídas por casais gays ou por um pai ou mãe solteiros. Estamos em um processo de transição no qual ainda não estão constituídos novos valores morais. É sempre bom esperar um pouco para não fazer avaliações precipitadas.
Veja - Que conselhos você daria para um jovem que acaba de começar na vida amorosa?
Gikovate - É preciso que o jovem entenda que o amor romântico, apesar de aparecer o tempo todo nos filmes, romances e novelas, está com os dias contados. Esse amor, que nasceu no século XIX com a revolução industrial, tem um caráter muito possessivo. Segundo esse ideal, duas pessoas que se amam devem estar juntas em todos os seus momentos livres, o que é uma afronta à individualidade. O mundo mudou muito desde então. É só olhar como vivem as viúvas. Estão todas felizes da vida. Contudo, como muitos jovens ainda sonham com esse amor romântico, casam-se, separam-se e casam-se de novo, várias vezes, até aprender essa lição. Se é que aprendem. Se um jovem já tem a noção de não precisa se casar par ser feliz, ele pulará todas essas etapas que provocam sofrimento.
Veja - As mulheres são mais ansiosas em casar do que os homens? Por quê?
Gikovate - As mulheres têm obsessão por casamento. É uma visão totalmente antiquada, que os homens não possuem. Uma vez, quando eu ainda escrevia para a revista Cláudia, o pessoal da redação fez uma pesquisa sobre os desejos das pessoas. O maior sonho de 100% das moças de 18 a 20 anos de idade era se casar e ter filho. Entre os homens, quase nenhum respondeu isso. Queriam ser bons profissionais, fazer grandes viagens. Essa diferença abismal acontece por razões derivadas da tradição cultural. No passado, o casamento era do máximo interesse das mulheres porque só assim poderiam ter uma vida sexual socialmente aceitável. Poderiam ter filhos e um homem que as protegeria e pagaria as contas. Os homens, por sua vez, entendiam apenas que algum dia eles seriam obrigados a fazer isso. Nos dias que correm, as razões que levavam mulheres a ter necessidade de casar não se sustentam. Nas universidades, o número de moças é superior ao de rapazes. Em poucas décadas, elas ganharão mais que eles. Resta acompanhar o que irá acontecer com as mulheres, agora livres sexualmente, nem sempre tão interessadas em ter filhos e independentes economicamente.
Veja - Como será o amor do futuro?
Gikovate - Os relacionamentos que não respeitam a individualidade estão condenados a desaparecer. Isso de certa forma já ocorre naturalmente. No Brasil, o número de divórcios já é maior que o de casamentos no ano. Atualmente, muitos homens e mulheres já consideram que ficarão sozinhos para sempre ou já aceitam a idéia de aguardar até o momento em que encontrarão alguém parecido tanto no caráter quanto nos interesses pessoais. Se isso ocorrer, terão prazer em estar juntos em um número grande de situações. Nesse novo cenário, em que há afinidade e respeito pelas diferenças, a individualidade é preservada. Eu estou no meu segundo casamento. Minha mulher gosta de ópera. Quando ela quer ir, vai sozinha. E não há qualquer problema nisso.
Veja - Quando duas pessoas decidem morar juntas, a individualidade não sofre um abalo?
Gikovate - Não necessariamente elas precisarão morar juntas. Em um dos meus programas de rádio, um casal me perguntou se estavam sendo ousados demais em se casar e continuarem morando separados. Isso está ficando cada dia mais comum. Há outros tantos casais que moram juntos, mas em quartos separados. Se o objetivo é preservar a individualidade, não há razão para vergonha. O interessante é a qualidade do vínculo que existirá entre duas pessoas. No primeiro mundo, esse comportamento já é normal. Muitos casais moram até em cidades diferentes.
Veja - É possível ser fiel morando em casas ou cidades diferentes?
Gikovate - A fidelidade ocorre espontaneamente quando se estabelece um vínculo de qualidade. Em um clima assim, o elemento erótico perde um pouco seu impacto. Por incrível que pareça, essas relações são monogâmicas. É algo difícil de explicar, mas que acontece.
Veja - Com o fim do amor romântico, como fica o sexo?
Gikovate - Um dos grandes problemas ligados à questão sentimental é justamente o de que o desejo sexual nem sempre acompanha a intimidade efetiva, aquela baseada em afinidade e companheirismo. É incrível como de vez em quando amor e sexo combinam, mas isso não ocorre com facilidade. Por outro lado, o sexo com um parceiro desconhecido, ou quase isso, é quase sempre muito pouco interessante. Quando acaba, as pessoas sentem um grande vazio. Não é algo que eu recomendaria. Hoje, as normas de comportamento são ditadas pela indústria pornográfica e se parece com um exercício físico. O sexo então tem mais compromisso com agressividade do que com amor e amizade. Jovens que têm amigos muito chegados e queridos dizem que transar com eles não tem nada a ver. Acham mais fácil transar com inimigos do que com o melhor amigo. Penso que, com o amadurecimento emocional, as pessoas tenderão a se abster desse tipo de prática.
Veja - As desilusões com o primeiro casamento têm ajudado as pessoas a tomar as decisões corretas?
Gikovate - No início da epidemia de divórcios brasileira, na década de 70, as pessoas se separavam e atribuíam o desastre da união a problemas genéricos. Alguns diziam que o amor acabou. Outros, o parceiro era muito chato. Não se davam conta de que as questões eram mais complexas. Então, acabavam se unindo à outras pessoas muito parecidas com as que tinham acabado de descartar. Hoje, os indivíduos estão mais críticos. Aceitam ficar mais tempo sozinhos e fazem autocríticas mais consistentes. Por causa disso, conseguem evoluir emocionalmente e percebem que terão que mudar radicalmente os critérios de escolha do parceiro. Se antes queriam alguém diferente, hoje a tendência é buscarem uma pessoa com afinidades.
Veja - O senhor já escreveu colunas para jornais, revistas, atuou na televisão e agora tem um programa na rádio. O senhor se considera um marqueteiro?
Gikovate - Sempre gostei de trabalhar com os meios de comunicação. Psicologia não é assunto para especialistas, mas de todo mundo. Faço essas coisas também porque é uma forma de entrar em contato com um público diferente do que eu encontro normalmente. Na rádio, respondo perguntas de gente tacanha, que jamais teriam condição de pagar uma consulta. Estão em um outro patamar financeiro. Mas o que dizem, é ouro puro. As colunas e programas de rádio que eu faço não me trazem clientes. Às vezes, só atrapalham. Em 1982, aceitei trabalhar com o Corinthians. Era a democracia corinthiana. Foi um balde de água fria na clínica. Imagine só, o Corinthians! Não foi o tipo de notícia que meus pacientes gostaram de ouvir. Eu fiquei lá dois anos. Meu pai ficava chocado com essas coisas, porque naquele tempo médico de bom nível não fazia essas coisas. Não estava nem aí. Quando eu me interesso por alguma coisa, eu vou. No mais, se eu fosse um simples marqueteiro, não teria durado 41 anos.
Veja - Apesar de todo esse tempo de clínica, o senhor atuou sozinho, longe das universidades. Por quê?
Gikovate - O mundo acadêmico está cheio de papagaios, que repetem fórmulas prontas. Citam sempre outros pensadores, mas nunca vão a lugar algum. Não têm coragem para disso. Esse universo, do qual eu acabei me afastando, é extremamente conservador. Não são eles que produzem as novas idéias. Muitos fingem que eu não existo. Diziam à pequena que eu era um cara muito pragmático, que levava em conta muito os resultados, o que é verdade. Os que mais gostam do que eu faço não são da minha área. São os filósofos, como o Renato Janine Ribeiro e a Olgária Matos. De minha parte, eu sempre fugi dos rótulos. Não me inscrevi membro da Sociedade de Psicanálise. Não sou membro de qualquer sociedade dogmática. Não sou sócio de nenhum clube. Sou uma pessoa de mente aberta. Nunca quis discípulos. Os meus discípulos, se um dia existirem, pensarão por conta própria. Se tiverem um monte de opiniões diferentes das minhas, seria ótimo.
Com 41 anos de clínica, o médico psiquiatra Flávio Gikovate acompanhou os fatos mais marcantes que mudaram a sexualidade no Brasil e no mundo. Por meio de mais de 8.000 pessoas atendidas, assistiu ao impacto da chegada da pílula anticoncepcional na década de 60 e a constituição das famílias contemporâneas, que agregam pessoas vindas de casamentos do passado. Suas reflexões sobre o amor ao longo de esse tempo foram condensadas no seu 26º livro, Uma História de Amor... com Final Feliz. Na obra, a oitava sobre o tema, Gikovate ataca o amor romântico e defende o individualismo, entendido não como descaso pelos outros e sim como uma maneira de aumentar o conhecimento de si próprio. Tendo sido um dos primeiros a publicar um estudo no país sobre sexualidade, atuou em diversos meios de comunicação, como jornais e revistas e na televisão.
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Esse psiquiatra não está com a razão.A troca de afeto o convívio entre pessoas é necessário em qualquer situação. O ser humano foi criado para socializar-se. A vida isolada não oferece momentos para absorver, compartilhar experiências e sentimentos indispensáveis a um crescimento interior
ResponderExcluirmuitos que afirmaram isso
ResponderExcluirtinham um lar materno e paterno
para ficarem explorando.
já outros é porque tiveram receio
que suas preferências não fossem
compreendidas.de qualquer modo
podemos dizer que trata-se de uma
grande bobagem.inda mais na idade
dele onde é conveniente ter uma
costelinha (feminina)para se aquecer
nas horas tenebrosa de frio!
Eu acredito no que ele diz, depois de um tempo os relacionamentos ficam difíceis e todas as situações que ele citou são verdadeiras. Ele mesmo é casado, é preciso ler a entrevista inteira, o mundo está realmente mudando, assim como os relacionamentos.
ResponderExcluirQuerida Berenice!
ResponderExcluirAcredito que todas as variáveis devem ser consideradas e respeitadas. Não podemos é massificar ou generalizar um padrão comportamental.
Algumas pessoas ainda são românticas e sonham uma vida em comum, outras mais praticas e independentes que se sentem mais felizes e realizadas sem um vínculo que aprisione!
Naturalmente estamos vivendo tempos em que as pessoas estão se tornando cada vez mais autossuficientes e com isto diminuindo a necessidade de “sociedade” afetiva. Mas devemos lutar para não nos afastarmos demais dos aspectos grupais tão importantes na qualidade e sobrevivência da vida.
Excelente seu post.
Beijos.
Berenice,
ResponderExcluirli toda a matéria, e gostei do teor!
Parabens por compartilhar!
bjks
da
amiga edilene
Eu sempre fui fã deste psicanalista, mas não acredito que o amor tenha chegado a este ponto.
ResponderExcluirPorque se a união não deve mais ser estabelecida, os principios básicos terão acabado. Os filhos, digo pela minha, sentem muita falta de pai e mae juntos. E até certa idade, claro, em paz e não em guerra, faz falta para uma criança uma familia.
Hoje estou sozinha porque é muito trololó mesmo, chega a ser decepcionante. Eu não gosto de solidão, mas perante a falta de interesse e qualidade dos homens, fico sozinha, porque fico bem.
Beijos
Olá Berenice!
ResponderExcluirGostei demais de ler a matéria aqui. Preciso de asas para pensar e criar, no resto sou tipo andorinha, gosto mesmo de companhia e não sei o que faria sozinha.E gosto de companhia na intimidade, gostaria de comentar algo, um filme ,um livro com a cumplicidade de fazê-lo ao pé
d´ouvido, sabe? Há poucos anos me abalei bastante com minhas descobertas a respeito do meu relacionamento e de como ele não me bastava como estava - tal e qual ele comenta sobre os casais tão diferentes entre si,onde o marido é o possessivo, dominador, competitivo, briguento, etc..e a mulher faz tudo para agradá-lo(mas também a si,reconheço) porque quer viver em paz. O problema é quando um deles exagera e o outro tem que compensar, sublimando cada vez mais suas próprias necessidades ou pensando que as mudanças e adaptações devam ser sempre só sua responsabilidade. Um dia a gente acaba precisando refletir sobre o preço que paga. Mas o tempo ensina. Hoje vejo claramente que se eu tivesse um outro relacionamento,procuraria alguém mais semelhante, que tivesse mais coisas em comum que quiséssemos partilhar, inclusive o desejo de viver tranquilidade, respeito e amizade.
Cada casal faz um acordo, mesmo mudo, entre si e,enquanto estiver bom para os dois, regras generalizadas não lhes importarão. Hoje sei que a individualidade não pode ser mantida às custas do outro, e se a gente quer ser feliz, precisa decidir-se se quer manter a individualidade (que fiquemos solteiros,então!) ou se queremos investir no novo "indivíduo" que formaremos como "casal", cedendo um pouco da individualidade de cada um, mas mantendo o respeito e bom humor. E é aí, cedendo dos dois lados que, por incrível que pareça, as coisas podem fluir mais facilmente. Claro que não é bom conviver com alguém que continua como "a indivídualidade importante" dentro do relacionamento,isto é egoísmo e vivi muitos anos com isto. Hoje, mesmo preservando meu relacionamento,precisei mudar para recuperar minha auto-estima e, agora eu também experimento agradar mais a mim mesma. Mas confesso, seria mais divertido e feliz se eu pudesse ver "nós" no espelho, não apenas eu, muito mais vezes, e continuar a ser generosa como antes me dava prazer ser.
Ótimo post pra refletir.
Beijos,
Vera.