Há dias, levei um tapa na cara, de meu próprio filho, um jovem de 22 anos. Como deve se sentir um pai que leva um tapa de mão aberta de um filho quase garoto, que veio ao mundo há tão pouco anos e que ainda não teve tempo de entender bem o que o rodeia?
Bom, deixe-me confessar que não senti revolta, nem revidei. Desabei ensimesmado para dentro de mim mesmo e lá fiquei, no silêncio fantasmagórico de uma solitude absoluta, a pensar como pudemos ter chegado a esse ponto.
Claro, não estou falando de um tapa de verdade, estou falando de um comentário que ele fez, após assistirmos juntos ao Jornal Nacional, da TV Globo, que acabava de fazer outra denúncia de maracutaias por parte de fiscais desonestos.
“Pai” – disse ele – “onde foi parar a geração dos anos 60, que dizia ter vindo para revolucionar o mundo? Não é dela que esse noticiário está falando?”
Ruborizei-me ao pensar que eu era parte de uma geração mentirosa, hipócrita, que vendera seus princípios por tão pouco! A próxima notícia era sobre uma ação movida pelo Supremo Tribunal Federal contra o Presidente da República, por ter ele tecido comentários “desrespeitosos” – segundo o Supremo – à instituição. Provavelmente veremos o desenrolar de uma pendenga judicial entre o Executivo e o Judiciário, que ocupará as manchetes de todo o país, como se isso interessasse à população.
Ruborizei-me ao pensar na geração de “Woodstock”, disposta a quebrar os laços com a hipocrisia do passado e a criar um mundo verdadeiramente novo. Essa geração, a mesma que fugiu das perseguições do regime de 64, a mesma que lutou em guerrilhas contra o obscurantismo da visão Macartista que se instalou no Brasil a partir do advento da ditadura militar, é a mesma que chegou ao poder e que agora, não consegue servir de exemplo aos seus próprios filhos.
Meus garotos - provavelmente como os seus - não têm heróis para se espelhar, não têm líderes que lhes sirva de guia, como minha geração teve em Ghandi, Kennedy, Mandela ou Juscelino. Eles vivem a reinventar o seu presente a partir de um vácuo que minha geração deixou entre o discurso e a prática. Vivem em choque por saber que todo o progresso social supostamente conseguido serviu apenas como ante-sala da anarquia, dos desmandos e da desconsideração pelo semelhante.
Sou obrigado a lembrar de Belchior, o grande menestrel de minha geração: “Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”
Belchior, porém escreveu a canção há quase trinta anos. Hoje a letra dessa canção começa a se esgotar. Na verdade, não vivemos como nossos pais, vivemos pior que eles. Eles tinham mais princípios que nós, tinham um código de ética mais presente e mais amplo do que nós e tinham compromissos mais sólidos do que nós com tudo os rodeava. Mas Belchior estava certo ao dizer que “na parede da memória, este quadro é o que dói mais...”
Os homens que mandam hoje, no Brasil, são os mesmos que cantavam com os Beatles “Help”, “Ticket To Ride” ou curtiam Bob Dylan, Joan Baez, Caetano Veloso ou Mercedes Sosa ...
Esses homens afastaram-se dos decantados objetivos sociais que tanto defenderam, e pelos quais alguns deram, inclusive, a vida.
E aonde o Brasil chegou, após a década de 60 que foi um vento revolucionário varrendo o mundo? Chegamos à década de 70, e enquanto o mundo caminhava a passos largos em direção ao futuro, nós chafurdávamos no lodaçal social da escuridão medieval de um regime feudal?
Chegamos ao século XXI sem que tenhamos aprendido nada! Éramos um país do futuro, - sempre nos diziam isso nos colégios. Cantávamos o Hino Nacional com a mão sobre o coração!
Eu estaria mentindo se dissesse que não houve progressos. Dependendo do sentido que a palavra progresso tenha para você. Há carros importados nas ruas, o que não havia nos anos 70, mas há ainda quem trafegue nesses carros e jogue latas de refrigerante pela janela!
Numa ponta do espectro social, acabamos por desenvolver uma sociedade que enriquece, mas que não se educa, e na outra, cresceu como cogumelos, na podridão dos dejetos dessa sociedade abastada, uma classe de sub-homens, mulheres e crianças que por serem em maior número, acabam por se tornar o cartão postal de um país bilionário e miserável ao mesmo tempo.
Tal como o personagem de Oscar Wilde, em “O Retrato de Dorian Gray”, minha bem intencionada geração também vendeu seus sonhos ao diabo, em troca do poder pelo poder. Conseguiu que alguns Estados do Brasil caminhassem para trás, e que outros tantos não caminhassem para a frente.
Não há um só dia em que minha geração não esteja presente nos noticiários fazendo parte de alguma trapalhada.
Minha geração produziu muitos bilionários – o Rei da Laranja, o Rei da Soja, o Rei do Açúcar, o Rei do Gado – todos eles ostentando o título de maiores produtores do mundo em seus respectivos setores de atuação. Temos ainda alguns dos maiores frigoríficos do continente, exportando carne e frango ao primeiro mundo, e algumas das maiores empreiteiras do planeta. Ainda assim, temos um governo paralisado, administrando o caos, um sistema de assistência social humilhante e uma terceira idade que sente vergonha por ter envelhecido. Eles são nossos pais e avós! Aqueles que tanto combatemos nos anos 60, e que acabamos por abandonar depois que eles nos passaram o bastão.
Então vivemos a curiosa situação de ter que pedir esmolas aos organismos internacionais com um pires vazio, enquanto temos na outra mão um pires cheio de ouro!
Mas, minha geração não conseguiu repassar um pouco que fosse dessa riqueza adquirida, ao restante da sociedade. É como se a conhecidíssima história de Dickens “Um Conto de Natal” tivesse parado na Parte 1. Continuamos como velho Scrooge, que, aliás, serviu de inspiração a Walt Disney para criar o Tio Patinhas. O resultado mais trágico desse “Dá cá o meu!” são os zumbis que perambulam pelas ruas mourejando de sol a sol. O mais brando, é ver nossos filhos buscando, sem encontrar, um elo com o passado que lhes ajude a tomar atitudes no presente.
Minha geração mentiu! Prometeu um mundo mais justo e hoje está metida numa gravata e num colarinho branco “contando seus metais” como diz Belchior.
Mentiu porque esqueceu seus compromissos, porque adquiriu a visão vesga de enxergar para um só lado – o seu próprio – e acabou por mergulhar o país num salve-se quem puder!
O Nordeste era pobre e empobreceu ainda mais. Aumentaram os analfabetos no Maranhão. O Piauí continua tão pobre quanto sempre foi, e a Bahia ainda não tem muito o que alardear, sob o jugo de líderes que eram famosos já na década de 60. Sergipe, que tanto lucra com o petróleo, tem – como sempre teve - desempenho pífio na economia nacional. O amazonas não só não evoluiu, como regrediu, violando todas as regras do meio ambiente, e há alguns anos tomba na Amazônia mais que um campo de futebol por dia de árvores nativas!
O Rio de Janeiro, que já foi a Cidade Maravilhosa, a Princesinha do Mar, e uma referência na América Latina, hoje é terra de ninguém, superando em violência até mesmo a Chicago de Al Capone.
O Espírito Santo está tentando sair da maior crise institucional de sua história, com criminosos espalhados por todos os níveis hierárquicos do governo. Minha Gerais, uma das locomotivas do Brasil, conseguiu atravessar décadas estagnada nas mãos de políticos ineptos, corruptos ou ambos. Conseguiu que a UNESCO revisse o título de Patrimônio da Humanidade para algumas de suas mais valiosas cidades históricas, e o descaso acabou por atear fogo em uma delas há não muito tempo!
Em São Paulo os desmandos de governos ensandecidos pelo lucro pessoal fácil, quebraram o segundo maior banco do país – o BANESPA – uma instituição secular sólida, sacando em descoberto para cobrir dívidas da má administração. Hoje, tal como Rio de Janeiro, o Estado vai bem, mas a cidade, responsável por 26% do PIB brasileiro está às deriva nas mãos de demagogos.
No sul, o Rio Grande do Sul, e Santa Catarina que detinham os melhores níveis de qualidade de vida do país, avançaram pouco, e regrediram em alguns aspectos básicos de saúde e educação.
Estive lendo outro dia sobre as estratégias do governo e da oposição para vencerem as próximas eleições. Diante das asquerosas articulações, planos, estratégias, táticas, manejos e remanejos, leilões de cargos públicos, e promessas absurdas, fico pensando quanto tempo resta a essa gente para governar. Resposta: Nenhum! Então quem é que governa? De fato, mesmo, na prática, é o terceiro e quarto escalões que mantém o país caminhando. Quem governa, são, enfim, os burocratas de carreira, que não estão sujeitos às eleições. Os outros estão ali de passagem, e por estarem sempre indo, mal chegaram, querem levar nos bolsos tudo o que puderem carregar. Estes são os frutos da famosa “esperteza brasileira”, que de tão espertos conseguem fazer encalhar um país com o motor do tamanho do Brasil. Esquecem eles que esperteza é a inteligência de curto prazo.
Mas não era a minha geração que iria colocar o Brasil nos trilhos? Não era a geração dos cintos de furos duplos, calças boca-de-sino, cabelo na testa, contestatória por natureza, geradora de uma das maiores revoluções culturais já registradas pela história, aquela que iria um dia mostrar a que veio?
Então, meu filho, vendo o meu embaraço diante da sua pergunta, contou-me a seguinte estória:
Disse ele que Deus, curioso por saber o que acontecera com as intenções da geração dos anos 60, enviou um anjo à terra para lhe trazer notícias dela. Quando retornou, o anjo estava horrorizado com o que constatara. Relatou então a Deus que aquela geração estava completamente corrompida, que traíra seus ideais, suas idéias, que atirara-se às drogas, ao jogo do poder etc. Deus, então muito preocupado disse:
- Mas não restou nenhum ser humano daquela geração que tenha se mantido fiel às suas causas?
- Restou, sim – respondeu o anjo, mas são apenas uma meia dúzia, se tanto...
- Bom - disse Deus – então ainda há esperança! Vou mandar um e-mail a eles para animá-los e mantê-los no caminho certo...
Neste ponto da estória, meu filho me perguntou:
- O senhor sabe qual era a mensagem do e-mail?
- Não – disse eu – como posso saber?
Ele sorriu e disse:
- Então o senhor não recebeu o e-mail... É...parece que o senhor também está fora daquela meia dúzia...
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