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A incerteza que ora atravessam as IES, especialmente as Universidades Federais, resulta das políticas, das reformas e do atual modelo de referência e desaguam na erosão do tecido social e político, subjacente no modelo econômico onde a dívida interna garantiu o espetáculo oferecido pelos políticos dos maiores partidos e ficou nos grandes bancos que embolsaram o dinheiro público.
Quanto ao povo, continua a não perceber o que ninguém esclarece: sofrerá cada vez mais, pagará cada vez mais e deverá cada vez mais, sem saber em nome de que ou por que.
A sociedade democrática cuja desonestidade, a injustiça e a nebulosidade campeiam, não há como cada um ser responsável pelos seus erros e menos ainda assumí-los. No esgarçar dessa tessitura já não se vislumbra quem possa dizer quais os erros de cada trabalhador desempregado para ser punido, qual a falha de cada jovem para se sentir culpado, ou os erros de cada idoso aposentado para ser ou se sentir responsável ao ver os seus direitos adquiridos virem a ser anulados.
Quem explicará aos desempregados, aos jovens e aos idosos que foram enganados, e para onde foram os vários milhares de milhões retirados dos bolsos de cada um e depositados no Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para serem aplicados sem que se tenha a certeza de quem os dilapidou e a favor de quem?
Thomas Piketty, recorrendo a Proudhon, num recente artigo sobre o salvamento da Irlanda, sobre o resgate dos bancos irlandeses, esclarece que permitir a países que enriqueceram graças ao comércio intra-europeu absorvam em seguida a base fiscal dos seus vizinhos, isto não tem rigorosamente nada a ver com os princípios da economia de mercado ou com o liberalismo.
[...] Isto só tem um nome e chama-se: roubo. E emprestar dinheiro às pessoas que nos roubaram, sem nada exigir em troca para que isso não se reproduza, chama-se estupidez¨.
No país em que um Presidente e a massa da classe política atualmente no poder são do mesmo nível nas atitudes e nos princípios (ou na falta destes), ocorrerá as pessoas se sentirem materialmente roubadas e intelectualmente estúpidas.
Os exemplos externos são facilmente vistos. A Irlanda como o banco Anglo Irish Bank que, falido, nacionalizado, será financiado pelo contribuinte, declarou que vai dar de bônus este ano 400 milhões de euros. Mas o Governo já declarou que vai sobretaxar os bônus do ano que vem!
Outros exemplos são Grécia e Portugal, que como outros países e outros governos chamados socialistas, permitiram a antecipação de dividendos para evitar o pagamento de impostos que seriam exigidos ao ano, ou ainda o regime favorável a criação de grandes grupos financeiros com a isenção fiscal sobre as mais-valias ganhas como ocorreu na venda da Vivo pelo PT, tudo isto acompanhado por discursos proferidos na Assembléia da República em nome dos grandes acionistas, pelo líder do maior grupo parlamentar. O evitar o pagamento de impostos, em ambos os casos de Pessoas Jurídicas, evidentemente que isto se refletiria no achatamento da base sobre a qual incide a isenção ou na majoração do imposto a pagar pelos contribuintes Pessoas Físicas.
A lógica é a mesma, o comportamento é o mesmo, e já não é uma questão da direita ou da esquerda que está no poder(*). É uma questão de quem atualmente está no poder. Sendo assim, o que ocorre na realidade é uma crise de valores, uma crise profunda do sistema democrático que está em movimento à deriva.
Em recente entrevista sobre a crise europeia Helmut Schmidt (2010) advertiu que:
[...] de uma maneira geral, à Europa faltam dirigentes. Faltam personalidades, à frente dos Estados nacionais ou nas Instituições europeias, que tenham um conhecimento suficiente das questões nacionais e internacionais e que façam prova de uma capacidade de julgamento adequada¨.
A dívida interna que financia e financiou os políticos temporários ficou como herança, mas, o país de todos e que todos constroem, não pode parar, nem a História o permite e sempre se vai para um lado mesmo que não se queira.
Certamente se pode perceber o caminho que está sendo imposto: como um tsunami silencioso a lógica implacável do neoliberalismo e infundida pela classe política no poder em nome da modernidade impelindo o país para um desastre nacional onde provavelmente predominará o desemprego, a violência e a desestruturação social.
Na Europa as instituições que durante trinta anos animaram o crescimento econômico e que eram a base do Estado-Providência vem sendo minadas e descaracterizadas, quer no nível do trabalho, da saúde, da educação, da segurança social, quer da visão global de sociedade e do seu futuro, tornando os países europeus vítimas da voracidade que os políticos no poder e os grupos financeiros lhes impõem e de que até agora são incapazes de se opor e de saber como deles se defender.
Nesse movimento se inscreve a reforma do ensino superior que torna a Universidade lenta e gradualmente destruída, compondo espaços onde se ensina generalidades, desprovidas da capacidade de pensar, transformando-se num deserto de ideias, onde o ato de pensar, refletir, criticar, argumentar, reconstruir, parece apeado da formação universitária, dando a certeza de que o ensino acentuará a continua redução das despesas públicas no orçamento do Estado numa luta pela compressão do estudo ao tempo mínimo e ao custo mínimo, sem desperdício financeiro.
A reforma atual permitiu que se generalizasse uma forma de ensino que desqualifica o professor cuja difícil função de apoiar os estudantes na descoberta do mundo que lhes é dado e que lhes cabe refazer, com novas formas de estar e de enfrentar as asperezas, torna-os despreparados intelectualmente. Não terão como transformar o mundo de modo a que a vida lhes confira sentido e, com este, sejam eles a dar sentido ao mundo que conscientemente desorganizamos.
A facilidade estabelecida pela reforma torna a vida mais fácil para os discentes e não se ensina mais a ler ou a escrever e muito menos a estudar bem. Engana-se o discente dando-lhes uma forma de estar na vida pessoal e profissional que esta não comporta fornecendo diplomas de não empregabilidade, com o nível de licenciatura etc.
Nos mercados de empregos, a preferência vai além dos detentores dos diplomas de mestrados, o que significa o reconhecimento indireto, mas claro de que as licenciaturas pouco ou nada valem.
A desqualificação das licenciaturas incapacita mestrados de qualidade, porque só se ensina o que os outros são capazes de aprender, e os estudantes, já deixaram de saber o que é profundidade de ensino e muitos dos cursos de mestrados estão em nível inferior ao da própria licenciatura e com as atuais estruturas são impossíveis a formação de elites pensantes e competentes.
Então para que serve a Universidade? Somente para estabelecer a diferenciação social pelos diplomas, e a diferenciação nestes pelo dinheiro que se possa ter no início, ao nascer? Da licenciatura ao mestrado e do mestrado ao doutorado são mais anos e mais dinheiro gasto para exibir esse ticket a fim a galgar mais patamares sociais. E o que o silêncio desta situação reflete? Ou, por outras palavras, o silêncio sobre a sua existência o que representa?
Muitos docentes se aposentam ou abandonam as universidades, vencidos pela incapacidade de aceitar o que se fez delas e sem compreender os objetivos de missão que agora lhe estão subjacentes, recusando o convívio com o regime de simplificação e de mentalidade que lentamente a reforma instalou nas suas vidas e nas próprias subjetividades e sem sequer protestar diante da ausência de respostas para os graves problemas da juventude que pode ser a geração perdida de amanhã, já aventada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Os discursos políticos que enaltecem os dados ministeriais baseados em levantamentos feitos em escolas e universidades são freqüentemente desmentidos no que se refere a carência de profissionais competentes e qualificados.
Os objetivos do Governo na política de educação se refletem na incapacidade discente em não efetuar operações algébricas simples, e a maioria dos beneficiados desta política chegam a universidade pelo sistema de cotas.
As atuais Instituições Governamentais ao dar as costas para as grandes missões de interesse público pode estar impondo a destruição de grande parte da juventude.
Voltando a Thomas Piketty no artigo citado, percebe-se a urgência dos dirigentes se munirem de coragem de ter uma visão nacional ambiciosa para se imunizar das dificuldades atuais, que não são somente financeiras como nos querem fazer crer, mas as que atingem tudo o que e socialmente significativo na sociedade, tomando consciência da necessidade em perceber a dimensão do desastre que se avizinha. Não há duvidas que não se assiste a uma marolinha.
(*) Recentemente a Islândia permitiu como agora na Irlanda, que as grandes fortunas escapassem, defendendo-se a liberdade absoluta dos movimentos de capitais. O governo pedia à Igreja que mantivesse as portas abertas mais tempo, para que as pessoas pudessem pedir auxílio a Deus.
Maria Helena de Amorim Wesley
FONTES:
Helmut Schmidt (Le Mond 8/12/2010)
http://www.lemonde.fr/europe/article/2010/12/07/helmut-schmidt-l-europe-manque-de-dirigeants_1449851_3214.html
Thomas Piketty (acessado em 19/12/2010)
http://ita.anarchopedia.org/B.7_Quali_classi_sociali_esistono_nella_societ%C3%A0_moderna%3F
Site BRASIL BRASILEIRO (http://www.brasilbrasileiro.pro.br).
(Fonte: http://www.brasilbrasileiro.pro.br/univerbrasileira.pdf)
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