No mundo moderno não fumar é marca de saúde física, mental e, atenção gente, moral também. Basta ver as medidas sanitárias aplicadas na Europa. Os pacotes de cigarros dos europeus tem imagens-choque para afastar fumantes ativos ou passivos, presentes ou futuros. Como no Brasil. Mas pior, muuuuuuuito pior que o Brasil: corpos mutilados pelo câncer, cadáveres putrefatos. E, claro, a imagem repugnante e sem censura de um pênis precocemente arruinado. A idéia não é prevenir nem educar. A idéia é ofender e intimidar.
Suficiente? Não. Os fanáticos querem mais: querem humilhar o fumante, enfiar o fumante em uma câmara de gás e dizer: "Criatura decadente! Raça inferior desgraçada!" Nem Hitler faria melhor.
Exagero? Longe disso. Robert Proctor, que as patrulhas higiênicas deviam ler, explicou tudo em The Nazi War on Cancer (Princeton University Press, 379 pp.). A leitura de Proctor é arrepiante mas a tese é magistral: as campanhas antitabagistas do mundo moderno nasceram na Alemanha das décadas de 1930 e 1940. Nasceram com a preocupação nazi em combater o vício e, óbvio, humilhar publicamente os viciosos. Humilhar consumidores de morfina. Cocaína. Coca-Cola. E enfiar os fumantes no gueto da vergonha social. Quando Hitler (que era vegetariano, abstêmio, praticante diário de exercícios físicos, enfim, um exemplo de boa saúde e boa forma) chegou ao poder em 1933, o tabaco foi declarado como uma das sementes do mal. Causa de tudo.
Infertilidade. Impotência. Câncer. Enfarte. Comunismo. Uma ameaça direta à pureza da raça ariana e sua excelência física e mental. O próprio Adolf se empenhou pessoalmente no caso. Ele não fumava. Ele gostava de dizer que não fumava. Nem ele, nem Mussolini, nem Franco. Tudo boa gente. Pelo contrário: Churchill e Roosevelt eram conhecidos e extravagantes fumantes, exemplos de ruína pessoal e moral. A evitar.
Falou e disse: a partir de 1933, as campanhas estavam nas ruas. Gigantescas imagens onde o fumante típico era tratado como débil sem dignidade ou vergonha (tradução: um judeu manipulador que introduzira o cigarro na Alemanha para exterminar o povo nativo). Ninguém escapou. As donzelas viciosas eram pintadas em pose masculina, a versão clássica da 'mulher com barba', fenômeno de circo para horrorizar a burguesia. E homens fumantes eram seres sexualmente arruinados, com traços femininos, lânguidos, tristemente adocicados. O tabaco surgia em sagrada aliança com tudo que era condenável. Jazz. Swing. Álcool. Jogo. Cupidez. Devassidão. Orgia.
Azar: seis anos depois, os alemães estavam fumando a dobrar. Em 1933, o alemão médio fumava 570 cigarros por ano. Em 1939, antes da Segunda Guerra, fumava 900. Proctor avança razões. Todas elas sublinham o essencial: fruto proibido é mais apetecido. Histórica clássica. Bíblica. Razão de nossos prazeres e nossas desgraças. Ninguém deixa de fumar por causa do fanatismo de terceiros. Pior: o fanatismo de terceiros acaba por ser inútil e até contraproducente. Conheço gente que não fumava e começou só por rebeldia. Eu mesmo só comecei a fumar porque minha mãe me enchia o saco para nunca fumar.
Fumar faz mal. Mas também faz bem. Sim, é verdade. As pessoas que fumam são mais tolerantes, mais calmas, mais interessantes e deliciosamente mais pecaminosas. Uma mulher é uma mulher. Uma mulher que fuma é uma mulher que arrasa. Uma diva. Por isso proponho: todos os pacotes de cigarros deviam ter duas imagens. De um lado, o pênis caído. Do outro, Lauren Bacall chupando um Marlboro clássico. De um lado, pulmões enfiados em sujeira. Do outro, o lindo rosto de Bacall flutuando em fumaça.
Fazemos assim: vocês ficam com o pênis e pulmões podres, eu fico com a diva Lauren.
Não estou fazendo apologia ao cigarro. Estou cagando e andando se você fuma ou não. Problema seu. Não vou te oferecer cigarro. O que eu quero é que as patrulhas antitabagistas parem de encher meu saco.
Parar de fumar ou não é uma decisão que cabe a mim, quando eu quiser, se eu quiser.
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