segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Os votos de Dona Erda

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É fácil esquecer-se de algo. Basta confiar na memória. Sempre tive muita dificuldade para lembrar o nome das pessoas. Por isso, ao longo do tempo, tenho-me valido de um velho e eficaz método: o de anotar. Anotar tudo.

Tem gente que recorre a outros artifícios. Para alguns, mnemônica é uma palavra emblemática. Ela vem de Mnemosine, deusa que personificava a memória na mitologia grega. Daí chamar-se mneumônico o processo que muitos utilizam para lembrar-se de coisas essenciais. Cícero foi dos primeiros a usá-lo em seus famosos discursos, transformando-o em método, em sua obra De Oratore.

Ele baseia-se no princípio de que a mente humana tem mais facilidade de memorizar dados quando estes são associados a informações pessoais, espaciais ou de carácter relativamente importante. Porém, estas informações têm que fazer algum sentido, ou serão igualmente difíceis de memorizar.

É um artifício indispensável a quem pretenda conquistar e manter clientes, seguidores ou, no caso dos políticos, votos. Entretanto, ao lado de sua reconhecida eficácia, mora o perigo dos estragos irreversíveis que pode causar.

O caso que agora passo a contar serve de alerta aos seus adeptos. O fato é real. Usarei nomes fictícios. Não que os tenha esquecido, pois os anotei, mas prefiro preservar a identidade da personagem principal.

Lelé era daqueles políticos falantes. Jurava que não mentia. O problema é que continuava falando, mesmo depois que as verdades haviam terminado. Beijava criancinhas, abraçava idosos e, dizem, dava bom dia a cavalo. Gabava-se da sua memória privilegiada. Bastava ser apresentado a alguém, para não mais esquecer o seu nome. Não revelava o truque. Talvez empregasse o processo mneumônico. Ninguém sabe.

Em campanha para deputado estadual, foi à Vila Tem-Tem, convidado por Dona Erda (pronuncia-se Érda). Líder local, ela era muito respeitada. Nunca fora candidata a nada. Gostava mesmo de ajudar, de fazer o bem, sem nenhum interesse pessoal. Quase uma santa. Por isso era querida.

O salão comunitário estava lotado. Perante mais de trezentas pessoas, Dona Erda foi só elogios ao candidato, a quem pediu votos, pois acreditava em suas promessas de fazer o progresso chegar à Vila Tem-Tem. Encerrou sob aplausos e gritos de “Lelé já ganhou”.

Chegou o grande momento: a vez de o nosso protagonista discursar. Por mais de meia-hora, ele deitou falação, prometendo transformar em paraíso o inferno que era a pobre Vila Tem-Tem . Ao final, sabedor do elevado prestígio de Dona Erda, resolveu pedir aos presentes que a aplaudissem.

Para sua surpresa, fez-se silêncio. Imaginando não ter sido entendido, repetiu: “Antes de encerrar, peço uma salva de palmas a esta brava lutadora, Dona Osta (pronunciou Ósta)”. Neste momento, Dona Erda já tinha saído, deixando-o a sós com a plateia irada.

Lelé perdeu a eleição. Na Vila Tem-Tem, nenhum voto. Se tivesse usado o velho e eficaz método de anotar, hoje seria deputado. Aprendeu tarde demais. Nunca mais se candidatou. Nem voltou à Vila Tem-Tem.

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