sexta-feira, 27 de julho de 2018

Um Apólogo

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Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: 

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!




Machado de Assis - Extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.
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OS AMANTES

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Nos dois primeiros dias, sempre que o telefone tocava, um de nós esboçava um movimento, um gesto de quem vai atender. Mas o movimento era cortado no ar. Ficávamos imóveis, ouvindo a campainha bater, silenciar, bater outra vez. Havia um certo susto, como se aquele trinado repetido fosse uma acusação, um gesto agudo nos apontando.

Era preciso que ficássemos imóveis, talvez respirando com mais cuidado, até que o aparelho silenciasse. Então tínhamos um suspiro de alívio. Havíamos vencido mais uma vez os nossos inimigos. Nossos inimigos eram toda a população da cidade imensa, que transitava lá fora nos veículos dos quais nos chegava apenas um ruído distante de motores, a sinfonia abafada das buzinas, às vezes o ruído do elevador.

Sabíamos quando alguém parava o elevador em nosso andar; tínhamos o ouvido apurado, pressentíamos os passos na escada antes que eles se aproximassem. A sala da frente estava sempre de luz apagada. Sentíamos, lá fora, o emissário do inimigo. Esperávamos quietos. Um segundo, dois – e a campainha da porta batia, alto, rascante. Ali, a dois metros, atrás da porta escura, estava respirando e esperando um inimigo. Se abríssemos, ele – fosse quem fosse – nos lançaria um olhar, diria alguma coisa – e então o nosso mundo seria invadido.

No segundo dia ainda hesitamos; mas resolvemos deixar que o pão e o leite ficassem lá fora; o jornal era remetido por baixo da porta, mas nenhum de nós o recolhia. Nossas provisões eram pequenas; no terceiro dia já tomávamos café sem açúcar, no quarto a despensa estava praticamente vazia. No apartamento mal iluminado íamos emagrecendo de felicidade. Devíamos estar ficando pálidos,e às vezes, unidos, olhos nos olhos, nos perguntávamos se tudo não era um sonho.

O relógio parara, havia apenas aquela tênue claridade que vinha das janelas sempre fechadas. Mais tarde essa luz do dia distante, do dia dos outros, ia se perdendo, e então era apenas uma pequena lâmpada no chão que projetava nossas sombras nas paredes do quarto e vagamente escoava pelo corredor, lançava ainda uma penumbra confusa na sala, onde não íamos mais. Pouco falávamos: se o inimigo estivesse escutando às nossas portas, mal ouviria vagos murmúrios; e a nossa felicidade imensa era ponteada de alegrias menores e inocentes, a água forte e grossa do chuveiro, a fartura festiva de toalhas limpas, de lençóis de linho.

O mundo ia pouco a pouco desistindo de nós; o telefone batia menos e a campainha da porta quase nunca. Ah, nós tínhamos vindo de muito e muito amargor, muita hesitação, longa tortura e remorso; agora a vida era nós dois apenas. Sabíamos estar condenados; os inimigos, os outros, o resto da população do mundo nos esperava para lançar olhares, dizer coisas, ferir com maldade ou tristeza o nosso mundo, nosso pequeno mundo que ainda podíamos defender um dia ou dois, nosso mundo trêmulo de felicidade, sonâmbulo, irreal, fechado, e tão louco e tão bobo e tão bom como nunca mais haverá.

No sexto dia sentimos que tudo conspirava contra nós. Que importa a uma grande cidade que haja um apartamento fechado em alguns de seus milhares edifícios – que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra como dentro de um sonho? Entretanto, a cidade, que durante uns dois ou três dias parecia nos haver esquecido, voltava subitamente a atacar.

O telefone tocava, batia dez, quinze vezes, calava-se alguns minutos, voltava a chamar: e assim três, quatro vezes sucessivas. Alguém vinha e apertava a campainha; esperava; apertava outra vez; experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais forte, como se tivesse certeza de que havia alguém lá dentro.

Ficávamos quietos, abraçados, até que o desconhecido se afastasse, voltasse para a rua, para a sua vida, nos deixasse em nossa felicidade que fluía num encantamento constante. Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação boa, como um veneno que tonteia, como se os meus cabelos já tivesse o cheiro de seus cabelos, como se o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha.

Nosso corpos tinham chegado a um entendimento que era além do amor, eles tendiam a se parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez que, sentado de frente para a janela, por onde filtrava um eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua, ela disse: “Meu Deus, seus olhos estão esverdeando”. Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz, nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o amor fosse um longo ensaio para que um movimento chamasse outro; inconscientemente compúnhamos esse jogo de um ritmo imperceptível como um lento bailado.

Mas naquela manhã ela se sentiu tonta, e senti também minha fraqueza; resolvi sair, era preciso dar uma escapada para obter víveres; vesti-me, lentamente, calcei os sapatos como quem faz algo de estranho; que horas seriam? Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha roupa, senti vagamente que aquecia meus sapatos.

Fiquei um instante parado, encostado à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos irreais que se cruzavam; tive uma tonteira, e uma sensação dolorosa no estômago. Havia um grande caminhão vendendo uvas, pequenas uvas escuras; comprei cinco quilos, o homem fez um grande embrulho; voltei, carregando aquele embrulho de encontro ao peito, como se fosse a minha salvação.

E levei dois, três minutos, na sala de janelas absurdamente abertas, diante de um desconhecido, para compreender que o milagre se acabara; alguém viera e batera à porta e ela abrira pensando que fosse eu, e então já havia também o carteiro querendo recibo de uma carta registrada e, quando o telefone bateu, foi preciso atender, e nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre – senti que ela me disse isto num instante, num olhar entretanto lento (achei seus olhos muito claros, há muito tempo que não os via assim, em plena luz) um olhar de apelo e de tristeza, onde, entretanto, ainda havia uma inútil, resignada esperança.


Rubem Braga - Fonte: http://classico.velhosamigos.com.br/AutoresCelebres/Rubem%20Braga/Rubem%20Braga1.html#amantes
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Tô Só

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Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.



Hilda Hilst - Fonte: "Correio Popular" de Campinas-SP
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quarta-feira, 25 de julho de 2018

VOLÚPIA

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" Me nego a viver em um mundo ordinário como uma mulher ordinária. A estabelecer relações ordinárias. Necessito do êxtase. Não me adaptarei ao mundo. Me adapto a mim mesma." 
        
  " Eu escolho um homem
que não duvide de minha coragem,
que não me acredite inocente,
que tenha a coragem
de me tratar como uma mulher "


 (Anais Nin)


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Meninas más

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Não fui uma menina má porque nem me ocorreu que fosse possível. O máximo a que cheguei foi ser em tudo como meu irmão. Desde muito pequena, estabeleci que tudo o que ele fizesse eu também faria. Só não tomei parte naquela batalha de pedradas contra a turma rival porque meu irmão, prevendo perigo, mentiu dizendo que ia fazer outra coisa e me deixou brincando de panelinhas. Mas fui índio pele-vermelha na tribo da qual ele era o chefe, e participei como vigia da arriscada invasão do território das freiras. Penso nisso ao ler o conto “Una niña mala” (uma menina má), da escritora Montserrat Ordoñez.

“Quero ser uma menina má, não lavar os pratos nunca, e fugir de casa [....] Não quero esperar na varanda, suspirando e segurando as lágrimas, a chegada do papai. Nem com mamãe nem com ninguém. Quando eu for uma menina má, gritarei, chorarei dando ataques até que a casa caia.” Assim começa esse conto pequeno como uma jóia, ilustrado por Diego Nicoletti, que vi na Feira de Medellín e que agora uma amiga colombiana me mandou.

Montserrat Ordoñez também é colombiana, ou assim se tornou tendo nascido em Barcelona. Foi poeta, escritora, tradutora, editora, professora universitária especializada em literatura escrita por mulheres. Morreu em 2001.

Sua menina má é uma menina que quer "uivar para as estrelas e dançar com seu gato ao redor da fogueira". Quer ser valente e abrir e fechar a porta, abrir e fechar a boca, dizer que sim e dizer que não quando bem entender”. Não deixará que “lhe façam tranças aos puxões, toda manhã, entre o ovo e o café”, e terá “pelo de loba e se sacudirá das orelhas até a cauda antes de enfrentar o bosque”.

Nas ilustrações de Nicoletti a menina está sempre rodeada de lobos. E os olhos dos lobos cintilam.

Só agora eu me rodeio de lobos, nos contos, na conferências, em alguns poemas. Mas sempre fui valente. Quando abri a porta da casa familiar da última vez foi para ir embora porque, como quer a menina do conto, havia dito a meu pai que não queria mais fazer as tarefas da casa, não queria mais cozinhar e cuidar de que tudo estivesse a gosto para o meu irmão.

Antes, tinha sido Jane nas selvas do Parque Lage enquanto ele era Tarzan, tinha voado pendente num cipó e mergulhado na cachoeira segurando o fôlego debaixo d’água.

Nunca meu irmão fez sua própria cama, nunca lavou um prato, nunca fritou um ovo. A ele não se pedia que vestisse avental por cima da roupa. Podia sentar como quisesse, e cruzar as pernas. Nem por isso seria considerado um menino mau. Nem mesmo por fingir tomar banho, fazendo ruído de água na banheira, enquanto lia o livro que guardava escondido atrás do vaso sanitário.

Ele era como eu queria ser, e como me tornava quando botava meus pés nas suas pisadas. Tinha um ano mais do que eu e era mais forte, mas mergulhei com ele na laje Santo Antônio e na Gruta da Imprensa, temendo ver um cação aparecer repentino. E mergulhei no navio afundado da Barra da Tijuca, temendo que o mar virasse porque, sem saber pegar onda, eu não conseguiria voltar à praia.

Ele sempre me apoiou.

Depois, fui ser menina má por minha conta, abrir e fechar a porta da casa em que só eu mandava, dirigir meu próprio carro. Fui ser feminista e dizer a outras mulheres, outras meninas, que elas não são más por contrariar as normas restritivas impostas pela sociedade. Ao contrário. É quando são más, que se tornam o melhor que podem ser.




Marina Colasanti - Fonte: https://www.marinacolasanti.com/2017/11/cronica-de-quinta-meninas-mas.html
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domingo, 22 de julho de 2018

Três relatos ridículos

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Então, ela me diz, com voz abafada: "As festas na escola viraram um inferno para as meninas, como eu, que gostam de meninos". Eis o primeiro relato ridículo.

A escola pode ser tanto uma instituição de nível médio como superior. O tipo de inferno descrito é o mesmo. Descrever-se como pertencente a um grupo definido como "meninas que gostam de meninos" soa um tanto estranho para quem não convive com os jovens de hoje, esmagados entre todo tipo de modinha identitária que quer, a todo custo, dizer que "meninas que gostam de meninos" não são maioria.

Minha fonte (são muitas, na verdade) tem medo de ser identificada na escola como sendo aquela que denunciou o inferno em que se transformaram as festas. Que inferno é esse, afinal?

Um nova prática ocorre nessas festas. "Coletivos" vigiam o comportamento dos meninos que gostam de meninas.

Esses coletivos pretendem garantir que não haverá assédio. O clero medieval mais tarado não teria uma ideia tão diabólica em suas condenações ao pecado da carne. Como se vigia isso numa festa? Você fica olhando de perto os casais héteros possíveis? Você exigirá ouvir as conversas deles? Obrigará aos meninos fazer uma confissão de "intenção culposa" a priori?

Ou os beijos seriam supervisionados? Como passar as mãos, de forma privada, nos seios das meninas que gostam de meninos? Tanto os meninos quantos as meninas precisam ser detalhadamente escrutinados em seus comportamentos se quisermos ter certeza de que o "amasso" é politicamente correto. O velho ódio ao sexo está por detrás desses "coletivos".

Haverá, como havia na Cuba revolucionária, "métodos de analise de comportamento", nesse caso, para identificar como um menino que gosta de meninas paquera ou assedia? Na Cuba revolucionária, tais "métodos de análise de comportamento" eram dedicados a identificar o que os marxistas de raiz chamavam de "degeneração burguesa", a saber, o homossexualismo (termo fora de uso hoje).

Os meninos, então, tornam-se tímidos, temerosos de estarem cometendo algum "delito de comportamento" e, por consequência, afastam-se das meninas que gostam deles, inclusive, por temerem que, em algum momento, serão objeto de denúncia. Todo mundo que não é mentiroso sabe que a "caça às bruxas" em matéria de comportamento moral sempre deságua em taras inquisitoriais. Tais "coletivos", na verdade, nada mais são do que espíritos fascistas, com pautas novas de violência.

Um amigo europeu me conta, assustado, que lá, no continente perfeito, um movimento cresce, chamado "igualdade na aviação". Eis o segundo relato ridículo. E o que é essa "igualdade na aviação"?

Trata-se da pressão para acabar com a classe executiva e distribuir o espaço dentro do avião de forma igualitária. Risadas? Alguns milímetros a mais. E o mundo se dobraria à inveja, ao ressentimento e à raiva. Nunca mais uma pessoa teria o direito de trabalhar mais e pagar uma classe executiva para seduzir ainda mais sua namorada apaixonada.

Nunca mais, depois de anos de trabalho, alguém poderia pagar no cartão em cinco vezes sua viagem dos sonhos até o Japão de classe executiva, aos 70 anos.

Uma amiga, também da Europa, indignada, me conta que há um novo ativismo radical na França. Eis o terceiro relato ridículo. Não se trata de fundamentalismo islâmico matando ocidentais sujos, mas sim de fundamentalistas veganos ameaçando açougueiros franceses. Risadas?

Frases como "carne é assassinato" e "basta de especismo" são pintadas nas vitrines dos açougues. A raiz conceitual é o trabalho do filósofo Peter Singer. Segundo este utilitarista, animais são seres sencientes: podem não ter consciência da dor como nós, mas têm o bastante em termos de sensibilidade, logo, não podemos pensar neles como "comida", como se fossem objetos.

A analogia é com o racismo, que entendia que negros eram inferiores e, por isso, eram "feitos" para a escravidão. "Especismo" é achar que os animais seriam inferiores e, por isso mesmo, podem ser comidos.

A analogia é linda, mas a ideia é típica de quem fica muito tempo no escritório delirando. A natureza se devora. Alimentar crianças só com rúcula é coisa de torturador infantil. Modinha de riquinho entediado.

É tudo pecado para esses ridículos. Assim como nos outros relatos ridículos, o mundo avança, de novo, para viver sob o controle da mente inquisitorial que odeia tudo que não cabe na cabecinha e na vidinha dela.

Mundo feio este. Sem sexo, sem conforto e sem gosto.





Luiz Felipe Pondé - Imagem: Ricardo Cammarota/Folhapress
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2018/07/tres-relatos-ridiculos.shtml

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“Quem somos?”

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Neste início de ano, o noticiário nos impõe uma pergunta pouco confortável: quem somos?

Ninguém de nós responderia “eu sou um dos revoltosos do presídio Anísio Jobim”, assim como nenhum de nós contou as cabeças decepadas dos rivais, filmando a cena para exibi-la – ou exibir-se- nas redes sociais. Nós não somos os bárbaros.

Bárbaros são sempre os outros. Mas um bárbaro ou uma matilha de bárbaros ou hostes de bárbaros não aparecem por acaso, não têm geração espontânea. Sobretudo quando inseridos em uma sociedade que se pretende civilizada, os bárbaros são um produto.

Em geral, produto de uma barbárie menos aparente. Fabrica-se um bárbaro colocando três para viver onde só um caberia. Ajuda-se um bárbaro a tomar plena posse de sua barbárie colocando-o num ambiente propício. Bárbaros exercitam melhor sua barbárie quando armados e com acesso a celulares. Pode-se enxertar barbárie numa criança privando-a de proteção, educação e de um ambiente adequado ao seu crescimento. Bárbaros proliferam melhor sem esgotos do que postos em uma universidade. Bárbaros se alimentam e se multiplicam graças a exemplos de barbárie bem sucedida.

Quem somos? Nenhum de nós é aquele que viu os dois primos matando a socos o ambulante indefeso, cujo único crime havia sido defender uma travesti. Nenhum de nós é o que passou mais rápido e nada fez para impedir o assassinato. Muito menos somos aquele que, sorrateiro, aproximou-se do morto para roubar-lhe o celular que já não lhe serviria.

Nenhum de nós é um prefeito sumido do posto depois de ter sumido com outras coisas. Nenhum de nós, ao retirar-se do cargo público que exercia levou o computador ou a mesa. Nenhum de nós foi buscar o filho em um condomínio, na manhã de domingo, depois de uma festa de réveillon, a bordo de um helicóptero do estado. Nós não somos aquele que percorreu cerca de 300 quilômetros de carro, procurando o lugar melhor para desovar ou queimar o corpo do homem que havia assassinado e que levava na mala. Nós não somos sequer aqueles que escreveram “Fora Lésbica!”, sem esquecer o ponto de exclamação, em um quadro imantado destinado a atividades infantis.

O problema é que a pergunta não se pretende individual. Não se trata de saber quem sou eu ou quem é você. Trata-se de saber quem somos nós, os brasileiros, como sociedade. De como nos vemos e de como somos vistos.

O morticínio do presídio foi notícia no mundo inteiro. O olhar que se pousa sobre nós fez-se mais denso.

E aqui, o horror que sentimos diante do massacre de Manaus é o mesmo que sentimos diante dos repetidos massacres do EI? As cabeças cortadas, de um lado e do outro, têm para nós o mesmo peso? O fato de uns serem reféns inocentes e os outro serem bandidos faz diferença?

Ou estamos mais preocupados com os 80 e tantos que fugiram pelo túnel ameaçando a tranquilidade fora do presídio, do que com os que mataram ou foram mortos?

Na foto publicada na primeira página de O Globo de terça-feira, mostrando o lado de fora do Anísio Jobim há, entre os familiares, duas mulheres encapuzadas, só olhos de fora. Pode ser temor de um eventual gás lacrimogêneo, ou medo de ser reconhecida por elementos da facção rival à do seu parente. O enfrentamento não se limita ao recinto do presídio.

Nem se limita à luta entre uma facção de traficantes e outra. O enfrentamento mais amplo e mais fundo se situa, já faz tempo, entre a sociedade que somos e a que queremos ser.


Marina Colasanti - Fonte: https://www.pensarcontemporaneo.com/quem-somos/

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Martha Medeiros num texto perfeito!

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"Só quem atravessa ao menos cinco décadas de vida pode entender a bênção que é entrar na segunda juventude.

Claro que antes é preciso passar pelo purgatório.

Poucos chegam aos 50 anos sem fazer uma profunda reflexão sobre a finitude, e dá um frio na barriga, claro. Amedronta principalmente quem ainda não fez nem metade do que gostaria de já ter feito a essa altura. Será que vai dar tempo?
Passado o susto, a resposta: vai.

E se não der, não tem problema. Você não precisa morrer colecionando vontades não realizadas. Troque de vontades e siga em frente sem ruminar arrependimentos. Você finalmente atingiu o apogeu da sua juventude: é livre como nunca foi antes.

Então, não passe mais nem um dia ao lado de alguém que lhe esnoba, lhe provoca, que não se importa com seus sentimentos. Pare de inventar razões para manter seus infortúnios, você já fez sacrifícios suficientes, agora se permita um caminho mais fácil.

Se ainda dá trela a fantasmas, se ainda pensa em vingancinhas ordinárias, se ainda não perdoou seus pais e seu passado, se ainda perde tempo com vaidades e ambições desmedidas, se ainda está preocupado com o que os outros pensam sobre você, está pedindo: logo, logo virará um caco.

Para alcançar e merecer a segunda juventude, é preciso se desapegar de todas aquelas preocupações que havia na primeira. Quando essa Juventude Parte 2 terminar, não virá a Juventude Parte 3, mas o fim.

Ou seja, esta é a última e deliciosa oportunidade de abandonar os rancores, não perder mais tempo com besteiras e dar adeus à arrogância, à petulância, à agressividade, ou seja, adeus às armas, aquelas que você usava para se defender contra inimigos imaginários.

Agora ninguém mais lhe ataca, só o tempo – em vez de brigar contra ele, alie-se a ele, tome o tempo todo para si.

Eu sei que você teve problemas, e talvez ainda tenha – muitos. Eu também tive, talvez não tão graves, depende da perspectiva que se olha.

Mas isso não pode nos impedir a graça de sermos joviais como nunca fomos antes. Lembra quando você dizia que só gostaria de voltar à adolescência se pudesse ter a cabeça que tem hoje? Praticamente está acontecendo.

Essa é a diferença que tem que ser comemorada. Na primeira juventude, tudo vai acontecer. Na segunda, está acontecendo."

Namastê / Ubuntu!

quinta-feira, 5 de julho de 2018

O desespero em busca de um relacionamento e a Síndrome do Sapo Fervido

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A primeira pergunta é: relacionamentos amorosos são necessários?Muitos têm a resposta fixa que sim, alguns, após inúmeras frustrações dizem que não, e poucos vêm relacionamento como um bônus ao atingir a maturidade.

As frustrações quando superadas e entendidas são boas, pois nos reaproximam de nós mesmos e concedem oportunidades para o autoconhecimento, que possivelmente foi relegado e por isso a escolha do parceiro não foi adequada.

Já os que vivem incansavelmente em busca de um companheiro, não conhecem a beleza da própria companhia e estão emocionalmente vulneráveis. A caçada incansável por uma companhia é a procura por não ficar sozinho consigo mesmo, pois a própria companhia é desagradável ou tem pouco ou quase nada a oferecer. Pessoas que não toleram a solidão acreditam que o outro é responsável pela sua felicidade. Palavras duras? Talvez, mas duro mesmo é o que as pessoas aceitam ou impõem aos outros quando são pedintes afetivos, e isso inclui inúmeras violências - psicológicas, físicas, morais, sexuais e patrimoniais. Sempre escrevo sobre o viés jurídico das relações afetivas e suas violências, mas o melhor é não precisar do Direito Penal para puni-las.

1. PESSOAS NÃO REALIZAM OS NOSSOS SONHOS

Um dos principais equívocos humanos é acreditar que o outro realizará os nossos sonhos, e depositar a própria felicidade nisso. Mas relacionamento não é sobre necessidade, sobre receber, ser complementado ou completar alguém, relacionamento é doação, é presentear o outro com a sua presença, mas só podemos nos doar quando estamos completos, e só doamos aquilo que temos.

2. PEDINTE AFETIVO

Quando se busca a felicidade - que é algo interno e pessoal, na companhia de outra pessoa - você desvaloriza o que você é, provavelmente porque não se conhece e desacredite de si. A dependência emocional te faz exigir do outro aquilo que você não faz e aquilo que você não é, assim como o aceite de tudo e qualquer tratamento, sentimento e pessoas.

Na busca incansável por companhia, você esquece que a principal, única e absoluta companhia é a sua, e somente ela resolverá os seus problemas e conflitos. Na busca desordenada pelo outro, esquece-se que relacionamento é negociação, mas principalmente, que existem “coisas” que são inegociáveis, entre elas a sua paz e a sua moral. Pela necessidade de parceiro negocia-se tudo em troca de afeto, mas afeto não se pede.

3. CASTRAÇÃO

O desespero para ter companhia ou permanecer ao lado de outra pessoa é imenso, e nessa imensidão a pessoa pratica a autocastração, se anula, abre mão da individualidade, abandona os prazeres, e vive em prol do outro. Transforma-se o relacionamento numa fusão, sem saber quem é quem e porque é; perde-se as próprias características, anula-se, e torna-se uma sombra do outro. Posteriormente atinge o estágio da cobrança, e exige que o outro também faça o mesmo e viva em prol da relação, afinal, a pessoa fez o sacrifício – tolo - e que ninguém pediu, do abandono de si mesmo, mas que já começou antes mesmo do relacionamento.

4. POSSE, INVASÃO E VIOLÊNCIAS

Após a anulação de si, o indivíduo que já começou o relacionamento buscando completar as próprias faltas através do outro, encontra-se ainda mais vulnerável e dependente. Pela ausência de amor próprio e pelo tempo livre, afinal, abandonou a própria vida então o tempo ocioso se estendeu, passa os dias e horas na expectativa de atenção, e quer a todo custo ser importante e presente, assim como o seu “objeto de amor” é na sua vida.

O lazer do outro, que até então não incomodava, passa a ser motivo de vigília constante, assim como os horários, companhias e quando não recebe convite para participar de alguma programação isso vira brigas, ciúmes e acusações de traição e todo tipo de situação que uma mente criativa e desocupada é capaz de criar.

As acusações constantes e cobranças por afeto desgastam o relacionamento e o outro vai embora (e a pessoa fica num vazio ainda maior, pois se fundiu a outrem); o outro não entende as agressões verbais e por vezes físicas e permanece sufocado, prestes a explodir ou o outro se aproveita dessa situação e retribui as acusações e violências – as vezes inconscientemente, pois muitos não compreendem a situação que vivem e vêm as agressões como defesa, e isso vira um ciclo, o pedinte afetivo sufoca e violenta o companheiro e o companheiro as vezes se defende retribuindo as agressões.

A verdade é que os nossos relacionamentos são iguais as relações que temos conosco, você se anula, não se respeita, não confia em você e não gosta da própria companhia, logo é exatamente isso que fará e receberá. Você é incompleto, logo encontrará alguém que também é; você está no relacionamento para saciar as suas necessidades e vampirizar o outro, então é isso que receberá. A solidão e ausência de autoconhecimento dá asas aos abusos e violências.

5. HOSTILIZAÇÃO E DISPUTA DE PODER

Hostilizar o outro também é comum, como forma de dominação e demonstração de poder, quando existe insegurança. A hostilização é uma das representações dos maus tratos, que é uma violência psicológica, naturalizada, sutil, aceita, difícil de provar, entretanto de danos superiores a violência física, pela capacidade lentamente destrutiva.

A violência psicológica diminui a autoestima, aumenta a dependência, promove a desvalorização pessoal, e o indivíduo que já entrou no relacionamento incompleto, passa a crer que é incapaz de viver sozinho e agride o outro para tentar dominá-lo e enfraquece-lo a ponto de se sentir impotente e que não merece outra pessoa. Consequentemente, meio a tanta agressão, o companheiro já com a autoestima baixa não se sente desejado, e aceita as relações sexuais por medo da perda; tem medo de tomar decisões e desagradar e se omite, pouco a pouco também se castra, mas a agressora continua a responsabilizar o outro pelas frustrações e pratica terrorismos constantes, como reflexo da sua insegurança, com cobranças desmedidas até que o outro acredite nisso e peça desculpas, se humilhe, porém nunca ficará satisfeita, pois ninguém soluciona o vazio alheio.

Pode ocorrer o contrário também, quando a pedinte afetiva se encontra em tamanha vulnerabilidade que aceita toda e qualquer agressão, sem retribuir, simplesmente por se achar incapaz.

6. INÍCIO DAS AGRESSÕES

A violência começa no namoro, porém é ignorada, aceita e gradativamente aumenta. O indivíduo, dependente afetivo, que se torna agressor, continua violento, pois o outro, também carente e incapaz de viver sozinho aceita; ou o dependente afetivo se torna presa fácil de quem detém o “poder” da relação, mas que também é inseguro, pois necessita de violência para se auto afirmar.

“Mas ela mudou de comportamento de uma hora para a outra”. NÃO!

“Mas ele nunca fez nada nem próximo disso”. NÃO!

“Mas ela estava na TPM”. NÃO!

“Mas ele bebeu um pouco”. NÃO!

“Mas foi só uma vez”. NÃO!

Não, não e não! A agressão não começa do nada, ela é paulatina. Não existe justificativa para tal, nem causas hormonais, que podem ser controladas, nem o uso de álcool e drogas, que apenas “libertam” o que a pessoa omite, e tampouco a agressão – independente da espécie – ocorrerá uma única vez. PARE DE SE ENGANAR E DE ENGANAR O OUTRO!

Mas as violências são relevadas, afinal o status quo de estar num relacionamento é melhor que estar só, segundo o pensamento da maioria.

A principal agressão ocorre quando se busca um relacionamento ausente de conhecimento, sem saber o que pode ou não oferecer, o que agrada ou desagrada e enxerga o outro como válvula de escape para os problemas não resolvidos. Isso é uma receita completa para a frustração, aumento de traumas, sofrimento e violências, sofridas ou perpetradas.

7. TIPOS DE VIOLÊNCIA

Erroneamente acredita-se que violência afetiva se restringe a violência física, todavia ela também é moral, patrimonial, sexual e psicológica. Culturalmente acredita-se ainda, que apenas a mulher é sujeito passivo da violência conjugal, entretanto, violência não tem gênero e tanto homens quanto mulheres podem e são vítimas – mas ao homem é negado o direito de fala, e proteção legal.

A violência psicológica, praticada massivamente pelo sexo feminino e naturalmente aceito na sociedade brasileira, envolve xingamento, agressões verbais, ameaças de infidelidade, humilhação, acusações, constrangimentos em público, desqualificação, privação de contato com a família e amigos, abusos, autoritarismos, chantagens emocionais, vigilâncias e perseguições (pessoalmente ou em redes sociais) e qualquer outra conduta danosa a autoestima ou que controle ações, para causar ciúmes e insegurança. A violência psicológica está contida nas demais formas de violência, e esta principalmente reduz a autoconfiança masculina.

Violência física é a agressão que ofende a saúde ou integridade física, como tapas, pontapés, socos, empurrões, chutes, queimaduras, agressões com instrumentos variados (entre eles, faca, ferro de passar roupa e vassoura), estigmas ungueais (ou arranhões de amor), arremesso de objetos (o preferido das mulheres).

Violência moral, calúnia (art. 138, Código Penal), injúria (art. 140, Código Penal) e difamação (art. 139, Código Penal), com o objetivo de destruir a reputação do outro.

Violência sexual, culturalmente definida como crime impossível a ser praticado por mulheres, essa ocorre com frequência, quando o homem é submetido contra a sua real vontade a tocar a companheira ou ter relações sexuais, tendo sua masculinidade a prova ou o descumprimento do dever conjugal, assim como parceiras que insistem que o companheiro use remédio para aumentar a duração das ereções, sem se importar com a saúde deste; bem como homens que insistem em relações sexuais com as esposas contra a sua vontade. Faz-se mister ressaltar, que a insistência por não usar preservativo, assim como práticas sexuais que desagradam o outro, também é violência sexual.

Violência patrimonial: quebra ou destruição de objetos, usualmente praticado pelas mulheres em estado de descontrole e fúria, celular, som, televisão, porta de carro, bem como a retenção de bens e gastos financeiros que seriam destinados ao pagamento das despesas do casal, utilizado para o deleite da mulher, como forma de punição ou exigência de algo almejado, material ou afetivo; e homens que impedem a parceira de trabalhar e ter independência financeira.

Permanecer na constante violência torna o indivíduo dependente, acostumado as agressões, naturalizando-as e retira-lhe a sensibilidade para o inaceitável e impraticável.

8. SÍNDROME DO SAPO FERVIDO

Muitos que vivem relacionamentos abusivos se perguntam porque permanecem nessa situação, e não conseguem um fim, ou sentem-se mal, mas ao mesmo tempo têm a sensação que já se adaptaram ás violências. Para esse tipo de pessoa existe uma metáfora conhecida como “Síndrome do Sapo Fervido”, que diz o seguinte:
“O Sapo quando é colocado numa panela com água quente não suporta aquela temperatura, salta imediatamente conseguindo sobreviver. Entretanto, quando o mesmo sapo é colocado numa panela com água fria e, gradualmente, essa água vai aquecendo, ele não percebe o calor. Fica parado e quieto. Morre, depois de algum tempo, inchado e feliz”.

Assim como o sapo fervido são as pessoas, que se acomodam com a situação destrutiva, não querem sair dela, acreditam em milagres ou creem que não há outra solução. O sapo fervido pode ter as suas necessidades primárias atendidas, mas em breve morrerá. O sapo suporta a temperatura da água durante muito tempo, até o seu limite, assim como as pessoas que se submetem a relacionamentos conturbados até serem completamente vampirizadas e ficarem sem nenhuma energia, correndo perigo constante, mas não viu necessidade de pular da panela, cuja água aquece cada vez mais e queima pouco a pouco, até que não exista energia e força para saltar.

Mas o que mata o sapo não é água fervendo, é a preguiça, medo ou comodismo em não pular, e a água agradável, naquele momento. Talvez seja hora de saltar da panela, enquanto é tempo; talvez você não deva entrar nela. A exploração psicológica, financeira, física e sexual não tem limites e é você que deve colocar um basta ou nem mesmo começar uma relação se está suscetível afetivamente e incompleto. As vezes a solução não é aguentar o desconforto e esperar, mas saltar, saltar enquanto há forças e vida dentro de você.

Assim como a água aumenta a sua temperatura, os ponteiros do relógio passam, e a vida é demasiadamente breve para aceitar o sofrimento, a violência e a própria incompletude. Você só é infeliz se quiser, a felicidade está nas suas mãos, não na presença do outro. Não é o outro que tem que mudar, é você que tem que ter a coragem de saltar; saltar dessa situação, saltar da inercia, saltar do comodismo, saltar das vulgaridades e saltar com todas as suas forças o mais alto que puder, para se conhecer e se completar com as próprias belezas que só você carrega e pode adubar.

9. OBSERVAÇÃO E AUTOCONHECIMENTO

Voltando a pergunta inicial: relacionamentos amorosos são necessários? Responderia que não e que são arriscados e danosos aos que não estão prontos para lidar com o mundo do outro, pois não sabem nem mesmo lidar consigo. Companhia é divertido, poder compartilhar momentos, mas relacionamento é para ser leve, e essa leveza só atingimos com maturidade – maturidade que não depende de idade, mas de autoconhecimento.

Relacionamentos são bônus que as vezes temos, as vezes não. Pessoas são coadjuvantes em nossa vida, cujo ator principal é você. Se você for completo, terá algo a oferecer, terá o que doar, e consequentemente será uma pessoa agradável, sem cobranças e pesos, e atrairá outra pessoa assim, disposta a doação e não a exigências, e que poderá dividir alguma época com você, mas quando resolver sair da sua vida, não se sentirá vazio, pois você permaneceu com sua individualidade, mundo, personalidade e diferente da maioria, não se castrou e fundiu ao outro.

O autoconhecimento te mostrará que não deve ser aberto e aceitar qualquer ideia e pessoa, pois isso leva a autodestruição. Você buscará o semelhante, afinal as divergências que eram divertidas no início, com o passar do tempo viram fardos. Você mesmo fará inteligentemente uma lista com as qualidades que gosta e as que repele numa pessoa. Você analisará os efeitos colaterais antes de tomar o remédio, ao invés de ingerir pela simples propaganda. Você terá a paciência de distinguir o que é publicidade do que é interno. Você terá a racionalidade de compreender não o que a pessoa diz de si mesma, mas o que ela combate. Você se reconciliará consigo mesmo ou se encontrará pela primeira vez. Você, quando estiver completo não aceitará menos que o merecido, pois terá paz e não irá se submeter a situações e pessoas que te retire algo tão precioso. Você não ficará numa disputa de poder e autoritarismos, mas delimitará o seu território, pautado no conhecimento de si e sua individualidade, com admiração, respeito e dignidade. Relacionamento demanda racionalidade, assim você não será vítima nem infratora, mas estará pronta para construir lentamente um relacionamento.

Se dê o presente de se conhecer, não peça nada, não cobre nada, doe sorriso, doe atenção. O sentido da vida não é cobrar, quando você se ama não precisa de nada, você está completo e assim pode acrescentar na vida do outro. Amor é ser um presente, e não alguém que usurpe a paz alheia. Amor é serenidade, afeto, ausência de medo, completude, sensatez e respeito, a si e ao mundo do outro, é uma construção gradativa.

Quando você se conhece identifica o que faz mal e as violências precocemente, se afasta e salva a sua vida. Não seja o sapo que espera a água ferver. Tempo é vida e relacionamento demanda autoconhecimento!

"Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas." – Pablo Neruda


Publicado por Sara Próton - Fonte: http://www.pensarbemviverbem.com.br/o-desespero-em-busca-de-um-relacionamentoea-sindrome-do-sapo-fervido/

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quarta-feira, 4 de julho de 2018

O melhor "ISTA" é ser OTIMISTA!

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Todo ano a mesma peregrinação: mastologista, ginecologista, oftalmologista, dentista...

Mas, um dia, resolvi incluir um "ISTA" novo em minha odisséia... Um DERMATOLOGISTA.

Já era hora de procurar uns creminhos mágicos para tentar retardar ao máximo as marcas da inevitável entrada nos ENTA.

Na verdade, sentia-me espetacular. Tudo certo. Ninguém podia cantar para mim a ridícula frase da Adriana Calcanhoto, "nada ficou no lugar...." Mas, não sei o que deu no espelho lá de casa, que resolveu, do dia pra a noite, tomar ares de conto de fadas. Aliás, de bruxas. E deu de mostrar coisinhas que nunca haviam aparecido (ou, antes, eu não havia notado!)

Pontinhos azuis nos tornozelos, pintinhas negras no colo, nos braços, bolinhas vermelhas na bunda... olheiras mais profundas...

Como assim???

Assim... Sem aviso prévio nem nada. De repente, o idiota resolveu mostrar e pronto.

Ah, não! Isso não vai ficar assim. Um "ista" novo na lista do convênio. O melhor. Queria o melhor especialista de todos os "istas"! Achei. Marquei. E fui tão nervosa quanto para um encontro 'bem intencionado', daqueles em que a gente escolhe a roupa íntima com cuidado, que é pra não fazer feio, sem 
parecer que foi uma escolha proposital...sabe como é que é, não? 

Pois sim. O sujeito era um dermatologista famoso. Via e cutucava a pele de toda a nata feminina e masculina da cidade... Assim, me armei de humildade. Disposta a mostrar cada defeitinho novo que estava observando, através do maquiavélico e ex-amigo espelho de meu quarto.

Depois de fazer uma ficha com meus dados, o 'doutor' me olhou finalmente nos olhos, e perguntou: Qual o motivo de sua consulta?

Fiquei vermelha como um tomate. E muda. Ele sorriu e esperou.

Quase de olhos fechados, desfiei minhas queixas...

Ele observou, 'in loco', cada uma delas, com uma luz de 200 watts e uma lupa... E começou o seu diagnóstico.

As pintinhas são sinais do sol, por todo o sol que já tomou na vida. Com a IDADE (tóin!), elas vão aparecendo, cada vez mais numerosas. Vai precisar de um protetor solar para sair de casa pela manhã, mesmo sem ir à praia. Para dirigir inclusive. Braços, pernas e rosto e pescoço. 


E praia? Evite. Só das 6 às 10 da manhã, sob proteção máxima, guarda-sol, óculos escuros e chapéu. Bronzear-se, nunca mais.'

-Ahmmm... (a turma só chega às 11 h!!!!)

-'Os pontinhos azuis são pequenos vasos que não suportam a pressão do corpo nos saltos altos.Evite. Use sapatos com solado anabela ou baixos, de preferência. Compre uma meia elástica Kendall, para quando tiver que usar saltos altos. 

-Ahmmm... (Kendall??? E as minhas preciosas sandalinhas???) 

-'As bolinhas na bunda são normais, por causa do calor. Para evitá-las use mais saias que calças. Evite o jeans e as calcinhas de lycra. As de algodão puro são as melhores... E folgadas...' 

-Ahmnunght?? ?? (e pude 'ver' as "samba-canções" de minha mãe, enormes na cintura, de florzinhas cor de rosa..... vou cortar os pulsos!). 

-'As olheiras são de família. Não há muito que fazer. Use esse creminho à noite, antes de dormir e procure não dormir tarde. 

Alimentação leve, com muitas frutas e verduras, pouca carne e muito peixe. Nada de cigarro, nem álcool... Nem café.'

E, então, a histérica aqui começou a rir descontroladamente... 
 
Agradeci, peguei suas receitinhas e saí rindo, rindo.... Me dobrando de tanto rir! 

No carro comecei a falar sozinha...
 
Tudo o que deveria ter dito ao médico e não disse: 

'Trabalho muito, doutor,... muitas noites vou dormir às 2 horas da matina, escrevendo e lendo. Bebo e fumo. Tomo café. Saio nas noites de boemia com os amigos e seus violões para as serenatas de lua cheia... E que noitadas!!!! 

Adoro os saltos, principalmente nas sandálias fininhas. Impossível a meia elástica (argh!!). Calcinhas de algodão? E folgadas??? Adoro as justinhas e rendadas... E não abandono meu jeans nem sob ameaça de morte!!! É meu melhor amigo!!!! 

Dormir lambuzada? Nesse calor? E minhas duchas frias com sabonete Johnson para ficar fresquinha como um bebê, cada noite? 

E nada de praia??? O senhor está louco é??? Endoidou de vez, foi??? Moro no Recife, com esse marzão e tudo...E tenho só 40 anos.... Meia vida inteira pela frente!!! 

Doutor Fulustreco, na minha idade não vou viver como se tivesse feito trinta anos em um!!! Até um dia desses tinha 39... E agora, em vez de 40, estou fazendo 70???

Inclua aí na sua lista de remédios... para as de 40 a 60, "média-luz"... Acho que é só disso que eu preciso.Um bom abajur com uma luz de 15 watts... 

E um namorado que use óculos... É isso... só isso!!! Entendeu????

Parei no sinal e olhei de lado... e um cara de uns 25 anos piscou o olhou para mim. Ah... e ele nem usava óculos!

Nunca fiz o que me recomendou o fulustreco "ista"... 

Minhas olheiras são parte de meu charme.. E valem o que faço pelas noites adentro... Ah!!! como valem! As bolinhas da bunda desapareceram com uma solução caseira de vitamina A, que quase todas as mulheres usavam e eu não sabia, até que contei minha historinha do 'bruxo mau'. Os sinaizinhos estão aqui... sem grandes alardes... e até que já acho bonitinho. 

O espelho é muito menor... o outro, eu doei à minha filha.

Meu namorado diz que estou cada dia mais linda! Principalmente quando estou de saltos e rendas, disposta a encarar uma noite de vinhos e música.

É claro que ele usa óculos. Mas quando quero ficar fatal, tiro seus óculos... e acendo o abajur. 

Nora Borges - Fonte: http://carolina-carvalho.blogspot.com/2011/02/o-melhor-ista-e-ser-otimista.html

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