segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ciência comprova: é melhor estar só do que mal acompanhado

.








Um novo estudo sugere que estar infeliz em um relacionamento traz mais prejuízos para a saúde do que estar solteiro

Um estudo mostrou que quanto mais as pessoas estiverem em relacionamentos longos e de alta qualidade, ou quanto mais rápido saírem de relações de baixa qualidade, melhor será sua saúde.

Boa notícia para os solteiros: a ciência comprovou que o velho ditado “antes só do que mal acompanhado” é verdadeiro. Um estudo publicado recentemente no periódico científico Family Psychology mostrou que, para a saúde, é melhor estar sozinho do que em um relacionamento infeliz. Por outro lado, relacionamentos de alta qualidade estão associados a uma melhor saúde física e mental.

Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Universidade de Buffalo, em Nova York, analisaram, ao longo de dois anos, jovens adultos que estavam em relacionamentos sérios. De acordo com os autores, a maioria das pesquisas sobre relacionamento e saúde foca o casamento, mas outros tipos de relacionamento podem impactar, para melhor ou para pior, a saúde, principalmente em jovens adultos que tendem a se casar mais tarde.

Os participantes do estudo responderam a questões relacionadas aos seguintes fatores sobre seus relacionamentos: satisfação, hostilidade de cada parceiro, críticas, apoio, bondade, carinho, compromisso e comportamento fora do relacionamento. De acordo com os autores, ao longo do estudo, um terço dos participantes passou por grandes mudanças em suas relações.

Os resultados mostraram que quanto mais as pessoas estiverem em relacionamentos longos e de alta qualidade, ou quanto mais rápido saírem de relações de baixa qualidade, melhor será sua saúde. Segundo Ashley Barr, principal autora do estudo, padrões de instabilidade nos relacionamentos estão relacionados a sintomas de depressão, problemas com álcool e a prejuízos para a saúde em geral.

“Não é estar em um relacionamento o que importa; benéfico é estar em uma relação de longo prazo e alta qualidade. Relacionamentos de baixa qualidade são prejudiciais à saúde. Os resultados sugerem que, para a saúde, é melhor ficar solteiro do que estar em um relacionamento ruim”, afirma Ashley Barr, principal autora do estudo.

Estudos anteriores já haviam associado insatisfação no relacionamento com problemas de saúde. Uma pesquisa publicada no periódico científicoPsychosomatic Medicine mostrou que pessoas que têm poucas interações positivas com o seu cônjuge ou parceiro corriam um risco 8,5% maior de ter um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral (AVC) do que aquelas que tinham interações predominantemente positivas. Outro estudo, publicado no periódico especializado Health Psychology, sugeriu que mulheres em casamentos felizes têm quatro vezes mais chances de sobrevivência a longo prazo depois de uma cirurgia de ponte de safena. Entretanto, os cientistas ainda não sabem explicar o porquê desses impactos dos relacionamentos para a saúde.



Fonte: http://veja.abril.com.br/saude/estudo-comprova-e-melhor-estar-so-do-que-mal-acompanhado/
.

sábado, 25 de junho de 2016

Caluda, Tamborins (ou de Como O Biltre do Demo Enredou Na Sua Parlanda A Trêfaga Natércia)

.








Caluda, tamborins, caluda!
Um biltre meu amor arrebatou.
No paroxismo da paixão ignota
Supu-la um querubim, não era assim.
Caluda, tamborins, caluda...
Soai plangentemente, ai de mim.


Vimo-nos num ror de gente
E, sub-repticiamente,
O olhar seu me dardejou.
Cáspite, por suas nédias madeixas
Que suaves endechas
Em pré-delíquio o pobre peito meu trinou.
Fomo-nos de plaga em plaga,
Pedi-lhe a mão catita,
Em ais de êxtase m'a deu.
E o dealbar de um amor
Em sua pulcra mirada resplandeceu, olarila!



Férula, ignara sorte
Solerte a garra adunca
Em minha vida estendeu!
Trêfaga ia a minha natércia,
Surge o biltre do demo,
Rendida à sua parlanda, ela se escafedeu.
Vórtice no imo trago.
São gritos avernais
Que no atro ódio exclamei.
Falena sou, desalada...

Ó numes ouvi-me: aqui del-rey!


Compositor: Mário Lago
.



quinta-feira, 23 de junho de 2016

Diogo Mainardi + Mario Sabino, os antagonistas

.






— O ex-redator-chefe da Veja Mario Sabino e o ex-colunista da Veja Diogo Mainardi se juntam para fazer O Antagonista... Que tal?

— Em matéria de ex, só falta a Ivana Trump.

— Será que nossos leitores sabem quem é a Ivana Trump?

— Duvido.

— Dois fantasmas do jornalismo impresso tentam assombrar o jornalismo online... É melhor assim?

— Parece a trama de um desenho do Scooby Doo.

— Será que nossos leitores sabem quem é o Scooby Doo?

— Todo o mundo conhece o Scooby Doo.

— O antagonista é aquele que amola o protagonista. Nosso jornal pretende amolar os protagonistas da política, da economia, da cultura... É mais ou menos isso, não é?

— O antagonista, nas melhores histórias, tenta eliminar o protagonista. Prefiro eliminar a amolar.

— Acho que seremos eliminados antes. Não seria melhor só amolar? Quem vai patrocinar gente como nós?

— Você só pensa em dinheiro. Vamos fazer o jornal, depois arrumamos patrocinadores. O Antagonista nasceu porque tivemos uma pequena ideia.

— Uma média ideia.

— A internet tem tudo, mas precisa de um bom editor capaz de pautar, cortar, expurgar e copidescar. Concordo: é mais do que uma pequena ideia, é um caminho.

— Assim fico sentimental como um ex-tupamaro: “Caminante, no hay camino; se hace camino al andar”...

— Tupamaro? Somos de direita.

— Somos? Tinha esquecido, não podemos frustrar nossos leitores.

— Ao lado de cada matéria, sempre entrarão as melhores sacadas de quem nos acompanha.

— Nada de deixá-los só lá atrás, nas caixas de comentários.

— Lá atrás e lá embaixo.

— Vamos colocá-los em igualdade com jornalistas famosos cujas opiniões também entrarão na mesma área.

— Se a gente gostar do que esses jornalistas disseram a respeito do assunto.

— Mas, se não gostarmos, poderemos comentar a opinião do sujeito.

— Temos o direito constitucional...

— ...de escarnecer, ...

— ...de ridicularizar,...

— ...de esclarecer,...

— ... de cultivar inimigos...

— ...e influenciar pessoas.

— E se não der certo essa história de por comentários lá na frente?

— Cancelamos. O site é nosso, ora bolas.

— O Antagonista é um conceito novo na internet.

— Boa frase para propaganda.

— Você não entende nada de propaganda: é uma frase surrada.

— Mas faz sentido.

— E quem disse que boa propaganda requer sentido?

— Me perdi: quem está falando agora, o Diogo Mainardi ou o Mario Sabino?

— Tínhamos combinado que isso não importaria. Não assinaremos as matérias, dividiremos a responsabilidade. O protagonista é O Antagonista.

— Quase ia esquecendo: vamos fazer reportagens investigativas.

— Várias.

— Muitas.

— Então dividiremos também os processos. Político, especialmente, odeia reportagem investigativa.

— Será que teremos como pagar as indenizações, se formos condenados?

— Você só pensa em dinheiro.




http://www.oantagonista.com/sobre?utm_medium=email&utm_campaign=NL-Antagonista-2016-06-22&utm_content=NL-Antagonista-2016-06-22+CID_0f319187586a3b95d2b755b63168b06a&utm_source=Email%20Antagonista

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Sou infeliz, mas tenho namorado

.









Resolvi levantar quando o corpo já estava doído do colchão e eu não encontrava mais nenhuma posição em que pudesse ocupar cada pedacinho daquilo que agora parecia um latifúndio. Meu latifúndio. Foram quase dois anos dividindo espaço, contas, despertador, planos, doenças sexualmente transmissíveis, um arremedo de amor (era só tesão) e uma tonelada de frustrações diárias.

Eu estava sozinha. Estava livre. Estava tranquila depois de muito tempo me convencendo que era melhor ser infeliz do que não ter alguém para chamar de namorado, alguém para desfilar por aí como uma bolsa de grife, alguém que servia como atestado de pessoa-feliz-para-sempre. Tudo mentira, tudo ilusão, tudo a maior roubada.

A cama é o pau de arara do amor. Quando a gente apaga as luzes e deita a cabeça no travesseiro, todas as dúvidas, tristezas e arrependimentos vêm uma por uma como chibatadas. Vai ficar com esse amorzinho pão com ovo? Ahh, nem é tão ruim assim. A gente vira de ladinho, sorri para a caixinha de tarja preta e apaga antes de ter um lampejo de lucidez.

Dormimos em cima das incertezas e no dia seguinte, ficamos felizes com um beijinho na testa, um tapinha na bunda e um "tchau, amor" vagabundo. Quase abanamos o rabo de felicidade. Que bobagem essa coisa de ter alguém e ainda querer felicidade no pacote. Bobinha.

Sou infeliz, mas tenho namorado, me resignava. E era um tanto louca que pensava em casar com o fulano. Ele me critica o tempo todo, me compara com a ex, abala minha autoestima. Nem muita admiração eu sinto. Ahh, ninguém precisa ser tão exigente, certo? Foi apego aos orgasmos semanais. Só pode.

Me apequenei tanto naquela relação, que nas primeiras noites sozinha me encolhia no cantinho com medo de na madrugada descobrir que já não me pertencia de novo. Tinha pavor de ser engolida por aquilo que eu chamava de amor, mas era só medo de ficar sozinha. E esse sentimento nos faz acreditar que qualquer pessoa pode transformar nosso mundo num lugar mais quentinho, macio e confortável. A gente acredita que para ser feliz tem que ter alguém que nos ajude a ser infeliz todos os dias.

Sozinho não é bom. Sozinho é só metade. Sozinho é incompleto. Sozinho é inacabado. Sozinho é fracasso. Sozinho não pode. Até que você vive tantas relações miseráveis e descobre que os momentos mais felizes de sua vida foram aqueles em que não tinha ninguém para infernizar suas noites de sono.

E você passa a ser insuportavelmente feliz assim. Que felicidade é dormir em diagonal na cama, pedir pizza de um sabor, deixar o secador dentro da pia, aceitar convites para sair às 23h. Foi apenas quando me senti completa que cheguei aquele estágio em que pavor mesmo eu tinha era de ser infeliz e não de ficar sozinha. Só faz sentido ter alguém quando a gente percebe que não precisa de ninguém. Mas leva tempo para entender e assimilar essa maneira de viver.

E até o dia dos namorados deixou de ser aquela data opressora quando você vai comprar ração para cachorro e a vendedora te estende um cupom para concorrer a um jantar com fondue. Quem precisa de um namorado para isso?

Mas em todas as vezes que passei a data sozinha comemorei por não estar com um tipo que preenchesse características como mala, cafa, sacana, psicopata, egoísta, louco. Num ano, comprei uma joia. No outro, passei o dia no spa. Num terceiro, viajei com amigos. Não sabia o que a vida me reservava, mas tinha uma certeza: só dividiria o meu latifúndio de novo com alguém que me fizesse ainda mais feliz do que eu era quando era muito feliz comigo mesma.



Mariliz Pereira Jorge - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2016/06/1779802-sou-infeliz-mas-tenho-namorado.shtml?cmpid=newseditor
.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Corpos expostos

.







Apareceu no Facebook, compartilhado por alguém que teve a prudência de não acrescentar comentários, um videozinho bem representativo da cultura sexual contemporânea.

Deve haver muitos parecidos, mas você pode encontrar o de que estou falando na página "São Gonçalo caiu no Face". O título do filmete é "Eita, eita, eita, a favela tá liberada rs".

Nada de diferente, imagino, daquilo que acontece nos bailes funk –onde, como se sabe, meninas têm o hábito de irem "preparadas" (isto é, sem calcinha) para a noite frenética. Mas a cena a que me refiro acontece à luz do dia, numa rua qualquer de bairro popular.

Umas seis ou sete jovens, nada anoréxicas, dançam de shortinho ou minissaia na frente de alguns rapazes que não esboçam reação. Elas estão quase de quatro, e dizer que rebolam seria um vago eufemismo.

Sacodem-se em estado de verdadeira fúria uterina. Com os pés bem afastados, abrem e fecham os joelhos como se quisessem sugar, pela pelve, o asfalto do chão. Enquanto a minissaia parece rumar para a cintura, uma menina (devem ter uns 15 anos no máximo) esfrega de leve o dedo na parte descoberta.

Fiquei chocado, e –como todo mundo que se choca com essas coisas– apresso-me em dizer que não sou moralista. Não sou moralista, mas...

Aquilo me pareceu uma brutalidade feita com o próprio corpo. Elas mesmas se reduziam, a meu ver, a simples bundas e vaginas. Não havia rosto, não havia passos, não havia variação, não havia metáfora naquela dança: contava apenas a batida do sexo.

Não dá sequer para dizer que havia sensualidade, algo que pressupõe a insinuação e o convite. Elas simplesmente copulavam sem parceiro, e com um mínimo de roupa.

Não ignoro que, cem anos atrás, havia quem considerasse o tango ou o maxixe absolutas indecências. Difícil imaginar qual minha reação se vivesse naquela época. Tudo depende, claro, de inúmeras coisas: a idade que eu teria, o lugar de onde viesse...

Uma diferença, contudo, é objetiva. Nas danças "obscenas" de antigamente, quem participava era o casal: havia consentimento entre homem e mulher, e o que se encenava, por mais sexual que fosse, trazia a forma da oferta e da recusa, da atração e da distância.

Aqui, o que se faz é uma exposição carnal, em que meninas competem pela atenção do macho.

Talvez o leitor esteja pensando aquilo que eu mesmo pensei assistindo ao vídeo: essas jovens não estariam provocando o próprio assédio, a própria violência sexual?

Mas quando surgem raciocínios desse tipo é que vejo o quanto a "cultura do estupro" está arraigada, até em mim mesmo. Obviamente essas meninas estão "provocando". Do mesmo modo que alguém, num carro de luxo, pode estar "provocando" seu próprio assalto ou seu sequestro. A provocação não absolve o crime.

A questão é mais sutil, entretanto. Como mostrou o interessante texto de Claudia Collucci, na Folha desta segunda (6), a legislação sobre o estupro mudou muito ao longo do tempo –e o entendimento do crime também.

A ideia de que a moça violentada "provocou" o homem corresponde, na verdade, a uma visão em que a lei não se preocupava unicamente em proteger a mulher. Se uma virgem é estuprada, o prejudicado com isso será o pai, o noivo, o marido... Quanto à outra, a de "maus costumes", o sistema legislativo e jurídico tem menos a reprimir.

As meninas do funk, de modo chocante para mim, pertencem a outro universo. A beleza e a juventude do corpo são entendidas, imagino, quase como armas –como instrumentos de poder. É disso que elas dispõem para obter a proteção, o amor, a fama, o dinheiro de um traficante ou de alguém respeitável no lugar. Não são "inocentes", nesse sentido: fazem o melhor uso possível de seu "capital" corporal.

O estupro, nesse caso, é não apenas uma violência física e moral: é uma espécie de assalto, de usurpação, de um bem que a jovem tem o direito de dispor como quiser.

Nesta interpretação, não haveria como associar diretamente a ideia de "mulher objeto" com a "cultura do estupro". A mulher contemporânea tem todo o direito de se valer da beleza física, de se mostrar como "objeto" se assim o desejar. Exatamente para se proteger esse direito, esse uso, é que o estupro merece ser punido: estão tirando à força, da mulher, seu poder de seduzir.





Marcelo Coelho - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelocoelho/2016/06/1779326-corpos-expostos.shtml?cmpid=newseditor

.

Trapaças e Desencontros

.









Nossa espécie está condenada a uma dança de trapaças e desencontros


"Ela apontou a pistola para ele, e disse: 'Você vai tirar a roupa e me comer agora!' Sem alternativas, ele obedeceu: deitou-se de costas enquanto ela o cavalgava, encaixando-se em sua ereção".

Não é preciso entender de natureza humana para saber que a peça de ficção acima é totalmente inverossímil. Enquanto, para os homens, o estupro é uma estratégia reprodutiva de negociação mínima, o contrário não se aplica: um homem intimidado não ficará ereto.

E os temores nem precisam vir da ponta de uma arma. Conta-se que Antônio Maria foi confundido com o escritor Carlos Heitor Cony por uma estonteante loura, que se declarou sua fã. Ele confirmou. Afinal num motel, a moça chamou-o para a cama. Neste ponto, Cony, que ouvia a história, perguntou-lhe ansioso:

"E aí, Maria, e aí?"

"Aí, Cony, VOCÊ brochou!"

David Buss, psicólogo evolucionista, escreveu um livro chamado "Por que as mulheres fazem sexo". Tem duzentas páginas. Elas podem se dar ao luxo de terem tantas e diferentes razões, pois não precisam de muito aparato biológico para o congresso carnal. Se o livro tratasse de homens, só teria uma linha: "Porque tiveram desejo e conseguiram uma ereção". Ah, e teriam que escapar da ejaculação precoce, outra manifestação do desconforto psíquico frente ao sexo.

Ou seja, quer função? Não intimide, não coaja, não cobre, não culpe: nós homens somos muito frágeis nesse setor, precisamos nos sentir "por cima da situação" para funcionar. Já que são as mulheres que escolhem quem terá acesso a elas –e toda misoginia vem do inconformismo com esse poder–, há dois softwares básicos de fazer a corte que rodam na cabeça masculina: o "papai" e o "cafajeste".

Se pudéssemos traduzi-los, o "papai" diria: "Aceite-me, pois eu sou um bom rapaz, atencioso, respeitador, acho você o máximo, vou te ligar amanhã, quero me casar com você, cuidar de nossos filhos, nunca te abandonarei".

E o "cafajeste": "Humm, você é gostosa e eu vou te levar à loucura, vou soltar essa puta que existe em você e que ninguém mais vê além de mim, vamos acabar com essa babaquice de ser santa, você não nasceu pra isso, você nasceu para ser feliz no sexo, a hora é esta, sem amanhã".

Curioso é que o equivalente do programa "santa", das mulheres de autoestima elevada, não seja o "papai": ele roda nos homens que não se acham os maiorais. Nestes últimos roda o "cafajeste".

Como a mãe natureza privilegia a quantidade de filhos, mas também cuida da qualidade de criação, ambos os programas têm seu apelo: uma mulher pode amar seu marido fiel e ficar transtornada com o cafajeste que lhe mostre desejo.

Finalmente, um homem tendendo a papai pode bem tentar simular um cafajeste par a melhorar suas chances.

E vice-versa: na ópera "Don Giovanni", de Mozart, o proverbial cafajeste que deu origem ao termo Don Juan canta Zerlina, noiva de um camponês, prometendo-lhe casamento nobre na ária "La ti darem la mano" ("Você não foi feita para ser camponesa").

Não adianta: para continuar a existir, nossa espécie está condenada a uma dança cheia de trapaças e desencontros, ainda que cheia de desejo de encontro e de sinceridade.




Francisco Daudt - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/franciscodaudt/2016/05/1774778-nossa-especie-esta-condenada-a-uma-danca-de-trapacas-e-desencontros.shtml
.

O voo e o ninho

.










O destino de um pássaro é voar, está em seus genes. Mas, para voar ele precisa do ninho. O ninho o protege, aquece e alimenta enquanto suas penas não crescem, suas habilidades de voo não se desenvolvem. Se o ninho o expulsa precocemente, ele se estatela no chão e morre. Mas, se o ninho o prende além da conta, ele não aprende a voar, ele fica restrito àquele casulo, ele não cumpre seu destino.

O bom destino de um pássaro, portanto, depende de um delicado equilíbrio entre o voo e o ninho: excesso de ninho aleija o pássaro; falta de ninho o mata.

Conosco não é diferente: precisamos de colo, de amparo, de proteção para seguir nosso destino –se concordarmos que nosso bom destino é a independência e a autonomia do indivíduo que se formou.

Mas o equilíbrio necessário para essa formação, a conversa entre ninho e voo, entre colo e independência, é infinitamente mais complexa e delicada que a dos pássaros. Eles, afinal, estão programados pelo instinto, que a eles se impõe como força maior.

Nós, não. Nossa espécie tem um programa de aprendizado tão extraordinário, e um tempo de aprendizado tão enorme, que o instinto com que nascemos vai se colorindo de experiências e de memórias tão singulares que o produto resultante se distingue do instinto, e ganha assim um nome novo: desejo.

Desejo: esse programa oceânico e descomunal que nos rege mantém com o instinto relações de raiz. Sim, continuamos a querer reprodução como os pássaros querem, mas de forma bem mais complicada, para dizer o mínimo.

De tal forma que, sim, nós botaremos filhos no mundo. Agora, daí a ter habilidade e competência para levar bem o equilíbrio entre ninho e voo, ah, isso é outra conversa.

A menina de oito anos levou um bilhete escrito por ela para sua mãe: "Não suporto mais esse cárcere maldito! Libertem-me dos grilhões que me aprisionam". A mãe leu o bilhete e disse: "Ai, que lindo! Vou grudar na geladeira".

Para quem acha que a psicanálise tem mania de culpar os pais, devo dizer que não é bem isso. O que ela faz é rastrear a história das incompetências da criação de cada um. Você acha que a mãe daquela menina é culpada de algo? Não, ela foi apenas incompetente, incapaz de perceber que a filha se expressava assustadoramente bem, com um diagnóstico preciso do que se passava. Incapaz de corrigir-se e de corrigi-lo. Culpa implica má intenção, e é muito raro ver pais mal intencionados em relação aos filhos.

Criar filhos é a profissão mais difícil que existe. Como ela é universalmente adotada, seja com talento e vocação, seja sem –o que é mais frequente–, o que acontece é que somos resultado de um show de incompetências. Uns pássaros ora aleijados, ora estropiados, de voo capenga, passando as incompetências de geração em geração.

A essas incompetências de criação que carregamos como um fardo pela vida afora, Freud deu o nome de Complexo de Édipo.

Édipo, o pobre grego quase assassinado pelos pais biológicos, que teve sua origem escondida pelos pais adotivos, e como fruto dessa trapalhada acabou se casando com a própria mãe. E se culpou por isso!

Pobre diabo foi ele. Pobres diabos somos nós.




Francisco Daudt - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/franciscodaudt/2016/06/1779337-o-voo-e-o-ninho.shtml?cmpid=newseditor
.