segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A alternativa

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Tenho um amigo que está bem de vida, bem de saúde, bem até no amor. Mas quando se olha para ele, nota-se que não é feliz, parece trazer um crime abominável dentro de si.

Moreno forte, mais para baixinho, olhos escuros e vivos, cabelos cacheados. Mora com os pais, que são descendentes de suecos altos, louros, cabelos lisos e olhos azuis.


O rapaz nunca perguntou a razão de tal diferença. Os outros também, por caridade ou gentileza. A irmã mais velha, que é alta, loura e de olhos azuis, quando está aborrecida com ele, diz que os pais o encontraram numa lata do lixo. Penalizados, o levaram para casa, trataram os papeis no Juizado de Menores e o adotaram como filho. Quando está muito triste, ele até que acredita um pouco nesta história.


Dia desses, o pai pediu-lhe que fosse apanhar um recibo antigo numa velha pasta. Procurando entre os papeis, ele viu o recorte amarelecido de um jornal.


Estarrecido, leu que, justamente no ano em que nascera, um bebê fora raptado por duas ciganas, que deixaram no berço outra criança. Seria ele? Por que o pai guardava há tanto tempo aquele recorte de jornal? Por que saíra tão diferente dos pais e da irmã?


Durante alguns dias, viveu suas longas noites de angústia. Teve vontade de perguntar o que realmente acontecera. Mas dificilmente lhe diriam a verdade. Além do mais, faltou-lhe coragem. 


De qualquer forma, depois de avaliar a sua situação, assumiu a alternativa. Nunca perdeu seu ar triste, mas encontrou uma solução que em parte o redimiu. Talvez as ciganas o tivessem trocado por outro bebê -essas coisas aconteciam no tempo em que nasceu, crianças eram roubadas ou trocadas. Mas não fora apanhado na lata do lixo. O fato dele não ser ele, era mais dos outros do que seu.

(Carlos Heitor Cony - http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1912201005.htm)

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