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domingo, 16 de outubro de 2016

Cante lá que eu canto cá.

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Poeta, cantô de rua,

Que na cidade nasceu,

Cante a cidade que é sua,

Que eu canto o sertão que é meu.



Se aí você teve estudo,

Aqui, Deus me ensinou tudo,

Sem de livro precisá

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí,

Cante lá, que eu canto cá.



Você teve inducação,

Aprendeu munta ciença,

Mas das coisa do sertão

Não tem boa esperiença.

Nunca fez uma paioça,

Nunca trabaiou na roça,

Não pode conhecê bem,

Pois nesta penosa vida,

Só quem provou da comida

Sabe o gosto que ela tem.



Pra gente cantá o sertão,

Precisa nele morá,

Tê armoço de fejão

E a janta de mucunzá,

Vivê pobre, sem dinhêro,

Socado dentro do mato,

De apragata currelepe,

Pisando inriba do estrepe,

Brocando a unha-de-gato.



Você é muito ditoso,

Sabe lê, sabe escrevê,

Pois vá cantando o seu gozo,

Que eu canto meu padecê.

Inquanto a felicidade

Você canta na cidade,

Cá no sertão eu infrento

A fome, a dô e a misera.

Pra sê poeta divera,

Precisa tê sofrimento.



Sua rima, inda que seja

Bordada de prata e de ôro,

Para a gente sertaneja

É perdido este tesôro.

Com o seu verso bem feito,

Não canta o sertão dereito,

Porque você não conhece

Nossa vida aperreada.

E a dô só é bem cantada,

Cantada por quem padece.



Só canta o sertão dereito,

Com tudo quanto ele tem,

Quem sempre correu estreito,

Sem proteção de ninguém,

Coberto de precisão

Suportando a privação

Com paciença de Jó,

Puxando o cabo da inxada,

Na quebrada e na chapada,

Moiadinho de suó.



Amigo, não tenha quêxa,

Veja que eu tenho razão

Em lhe dizê que não mêxa

Nas coisa do meu sertão.

Pois, se não sabe o colega

De quá manêra se pega

Num ferro pra trabaiá,

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.



Repare que a minha vida

É deferente da sua.

A sua rima pulida

Nasceu no salão da rua.

Já eu sou bem deferente,

Meu verso é como a simente

Que nasce inriba do chão;

Não tenho estudo nem arte,

A minha rima faz parte

Das obra da criação.



Mas porém, eu não invejo

O grande tesôro seu,

Os livro do seu colejo,

Onde você aprendeu.

Pra gente aqui sê poeta

E fazê rima compreta,

Não precisa professô;

Basta vê no mês de maio,

Um poema em cada gaio

E um verso em cada fulô.



Seu verso é uma mistura,

É um tá sarapaté,

Que quem tem pôca leitura

Lê, mais não sabe o que é.

Tem tanta coisa incantada,

Tanta deusa, tanta fada,

Tanto mistéro e condão

E ôtros negoço impossive.

Eu canto as coisa visive

Do meu querido sertão.



Canto as fulô e os abróio

Com todas coisa daqui:

Pra toda parte que eu óio

Vejo um verso se bulí.

Se as vêz andando no vale

Atrás de curá meus male

Quero repará pra serra

Assim que eu óio pra cima,

Vejo um divule de rima

Caindo inriba da terra.



Mas tudo é rima rastêra

De fruita de jatobá,

De fôia de gamelêra

E fulô de trapiá,

De canto de passarinho

E da poêra do caminho,

Quando a ventania vem,

Pois você já tá ciente:

Nossa vida é deferente

E nosso verso também.



Repare que deferença

Iziste na vida nossa:

Inquanto eu tô na sentença,

Trabaiando em minha roça,

Você lá no seu descanso,

Fuma o seu cigarro mando,

Bem perfumado e sadio;

Já eu, aqui tive a sorte

De fumá cigarro forte

Feito de paia de mio.



Você, vaidoso e facêro,

Toda vez que qué fumá,

Tira do bôrso um isquêro

Do mais bonito metá.

Eu que não posso com isso,

Puxo por meu artifiço

Arranjado por aqui,

Feito de chifre de gado,

Cheio de argodão queimado,

Boa pedra e bom fuzí.



Sua vida é divirtida

E a minha é grande pená.

Só numa parte de vida

Nóis dois samo bem iguá:

É no dereito sagrado,

Por Jesus abençoado

Pra consolá nosso pranto,

Conheço e não me confundo

Da coisa mió do mundo

Nóis goza do mesmo tanto.



Eu não posso lhe invejá

Nem você invejá eu,

O que Deus lhe deu por lá,

Aqui Deus também me deu.

Pois minha boa muié,

Me estima com munta fé,

Me abraça, beja e qué bem

E ninguém pode negá

Que das coisa naturá

Tem ela o que a sua tem.



Aqui findo esta verdade

Toda cheia de razão:

Fique na sua cidade

Que eu fico no meu sertão.

Já lhe mostrei um ispeio,

Já lhe dei grande conseio

Que você deve tomá.

Por favô, não mexa aqui,

Que eu também não mêxo aí,

Cante lá que eu canto cá.



Patativa do Assaré - Fonte: http://www.fisica.ufpb.br/~romero/port/ga_pa.htm#Atri
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á que eu canto cá.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Saudade - Patativa do Assaré

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Saudade dentro do peito
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.

Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.

Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.

Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente



Patativa do Assaré - Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré (Assaré5 de março de 1909 — Assaré, 8 de julho de2002), foi um poeta popular, compositorcantor e improvisador brasileiro
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sábado, 20 de abril de 2013

O trovador Alamir Longo retribui com versos a confissão da presidente sobre a inflação

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‘Seres iluminados”


Vi tanta coisa no mundo

que não acho explicação.

Vi gato morder cachorro

mas apanhar de ratão;

vi fantasma ao meio dia

comendo arroz e feijão;

já vi tocador de viola

sem ter os dedos da mão;

vi bebum tomando pinga

já dentro do camburão;

vi padre rezando missa

com um cacete na mão;

já vi disco-voador

levantar poeira do chão;

vi nascer o Universo

bem na hora da explosão;

até vi no paraíso

Eva brigar com Adão;

vi bem de perto São Pedro

com a chave do céu na mão.

Só não tinha presenciado

um ser tão iluminado

comemorando inflação!



(http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/feira-livre/seres-iluminados-de-alamir-longo/)
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sexta-feira, 1 de março de 2013

‘O telec do Linco’, do trovador gaúcho Alamir Longo

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‘O telec do Linco’, do trovador gaúcho Alamir Longo


I
O doutor honoris causa
com pinta de imperador,
se lança de professor
esbanjando sabedoria
e a gente que nem sabia
que o safo era um leitor…

II
Pois agora está explicado
tamanho conhecimento…
pois o livro é um instrumento
valioso e transformador
que converte a pensador
até mesmo um pobre jumento!

III
Mas eu acho que o estadista
deu de mão no livro errado…
ou pegou ele virado
quando foi fazer a leitura!
pois cada vez mais loucura
esse cabra tem perfilado.

IV
Dizer montes de besteiras
pra ele é coisa normal…
no seu discurso boçal
se embriaga em devaneio,
só falta dizer que veio
com a esquadra de Cabral!

V
E agora veio com essa…
telex e computador!
Do Lincoln fez seu pastor
em delirante piadinha,
enfeitada a rizadinha
da sacrossanta plateia,
que sequer fazia ideia
que o “linco,telec” não tinha!


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domingo, 5 de fevereiro de 2012

O dia em que Lampião se apoderou de Rita Lee

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Veje homi seu menino
Sente que vou lhe contar
Do dia que baixou Virgulino
Em um palco feito altar
Na Rita que não é a santa
Mas moça boa no falar

Antes contudo todavia
Um bocado acabrunhado
Peço a bença dos poetas
Que nessa arte têm mestrado
Não riam aqui deste mané
Um patavina do Assaré
Pois aquele um, o Virgulino
É o próprio Lampião
Falecido no Sergipe
Sítio deste dramalhão 
E Rita é a Lee a negra ovelha
Nossa mais digna pentelha
Foi na Barra dos Coqueiros
Sua cantoria derradeira
Armou-se grande festa
Pro adeus de uma roqueira
Agora não venham os dotô
Com essa chata choradeira
Vocês conhecem essa cara
Essa fala, esse cheiro
Portanto se desespantem
Com os modos de carroceiro
Ela ficou só pouco mais fula
Com o espírito do cangaceiro
Quando a dita assombração
Empreendeu sua manobra
Ocupando aquele corpo
De cabelo cor de abobra
Ela sentindo a ditadura
De cabrita virou cobra
Era noite alta e fresca
Quando surgiu a soldadesca
Bulindo o povo, acintosa
Atrás da tal erva venenosa
Lá de cima Rita viu
Parou o show, o céu caiu
E quando súbito se viu
A lua desaparecer
Na praça antes pacata
Foi um tal de se benzer
“Vixe cr’em Deus pai
O regabofe vai feder”
Possuída pelo fantasma
Do bandoleiro nordestino
Rita fez da voz o bacamarte
E da bala o seu hino
Chamou major de cachorro
O tenente de equino
A roqueira do cangaço
Disse tudo sem volteio
Oiô de frente a guarda
Exibiu dedo do meio
C’atitude obscena
Só cresceu o rebosteio
Nem o beiço quis molhar
Com água, suco ou fruta
Se dirigiu aos capacetes
“Seus filhos duma puta
Venham me pegar
Sou avó mas tô enxuta”
A razão e o motivo
De tamanho aporrinho
A Lampiona deixou claro:
A força bruta, o desalinho
No lombo da meninada
Causa dum baseadinho
Indo pra lá mais adiante
Não precisa de adivinho
Pra notar naquele grito
Também disparo de espinho
Contra os cabra que arrocha
Aluno, nóia e Pinheirinho
Por isso e mais um tanto
Que a mutante encrenqueira
Em seu verbo assoberbado
Pôs nos dente a peixeira
Dando devido sacolejo
Na triste vida brasileira
Quem ficou aperreado
Foi Déda governador
Disse e não é chiste
Que Rita está em seu playlist
Mas xingar homem da lei
É demais pra quem assiste
Não por outra o mandatário
Pensou ir ao tribunal
Cortar a paga do cachê
Mas evitou posar de mau 
Se Rita lamentasse o auê
“Causdequê?! Do fumacê?!”
Entremente o rebuliço
Muito apoio lhe foi dito
O filho Beto veio aqui
E confessou estar aflito
O titã Sérgio Britto:
“Fuck the police, viva Rita Lee!”
Ainda chefe de Corisco
64 anos e avó
Gulosa, escandalosa
Foi levada ao xilindró
E nas venta do delegado
Passou novo forrobodó
Causo tão misterioso
Os pelo sobe de alembrar
Mas juro ao senhor
Pela emoção não me guiar
Tava assim de cabra da peste
Que pode tudo confirmar
Do seio da luz brilhante
Veio o divino chanceler
Em pessoa o Padim Ciço
Com sua mágica colher
Futucou-lhe as entranhas
Rancou o capeta da mulher
A cantante estrebuchava
Se arrastando pelo chão
Pro marido ela explicava:
“Foi o calor da emoção”
E Roberto amparava: 
“Cospe, Rita, cospe fora o dragão”
Exorcizado o coisa ruim
Ordenou o padroeiro
“Rita, mia fia
Não atuo de bombeiro
Pois volte já pra rede
Escandalize os tuiteiro”
Ela beijou a mão do santo
Agradecida e juvenil
Pensou que bem podia
Ser presidenta do Brasil
Pra dar Panis Et Circenses
A essa gente tão gentil
Má ideia não seria
Pois artista não sobrou
Chico só quer bola
E Caetano caducou
Então vote em Rita Lee
Prum país mais rock and roll!
Vou parando por aqui
De sua paciência abusei
Minha lira se gastou
Das fantasias que cantei
Mas garanto meu amigo
Se aumentei não inventei.

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