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Ainda assim, sem mascarar minhas dúvidas, evoquei Danny Kaye, aquele delicioso entertainer do cinema americano dos anos 40, 50 e 60. Peguei-o a dizer “veremos o que veremos” em um filme inspirado em Gogol e intitulado O Inspetor Geral, e nunca mais esqueci.
Vimos foi o primeiro habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Seqüência rapidíssima: nova prisão em razão da tentativa de suborno, e novo habeas corpus. As cautelas de Danny confirmavam sua conveniência. Condenado Dantas pelo juiz Fausto De Sanctis, na terça 2, desta vez
não recebi ligação alguma. Caso viesse, repetiria: veremos o que veremos.
Tortuosos são os caminhos da Justiça e, como será mostrado nesta edição, estamos apenas no começo de um longo processo, e que outros hão de vir. Dantas perdeu a vantagem de ser primário e os riscos para ele cresceram bastante. Mal passamos, porém, das escaramuças iniciais de uma refrega imponente, adequada à relevância da personagem. Ouvi, por exemplo, de figuras das mais importantes do País, faz cerca de três anos, que a abertura dos discos rígidos do Opportunity capturados pela Operação Chacal “pararia o Brasil por dois anos”, ou, literalmente, “acabaria com a República”. Não se tratava de João, o Evangelista, e não creio que se recomende imaginar o galope dos cavaleiros do Apocalipse.
Nem por isso Dantas deixa de ser admirável como símbolo do capitalismo à brasileira, vertente peculiar do chamado capitalismo selvagem que desaguou na adoração do bezerro de ouro da vez, o mercado. A interpretação precipuamente nativa contempla a redução progressiva e inexorável do papel do Estado enquanto mama-lhe nas tetas, como os gêmeos Romulo e Remo aproveitaram-se da loba mitológica. E já que o Estado é representado por homens, mama nas tetas da política contingente.
Protegido por Antonio Carlos Magalhães, depois da primeira e bem-sucedida experiência do banco Icatu, do qual saiu em circunstâncias pouco claras, foi banqueiro do PFL e em seguida do PSDB. Sintomático um seu jantar no Palácio da Alvorada do inquilino Fernando Henrique, ao qual se seguiu, no espaço de dois dias, a demissão das diretorias dos fundos de pensão ligados à Brasil Telecom, ordenada pelo príncipe dos sociólogos. Não menos certo e sabido o empenho do tucanato, que se apossara do BNDES, a favor do Opportunity na privatização do Sistema Telebrás, pois “ele está com os italianos”. Tempo em que Luiz Carlos Mendonça de Barros, André Lara Resende e Persio Arida referiam-se a FHC como a “bomba atômica”, a ser acionada em caso de resistências aos projetos.
Com a ascensão de Lula ao poder, não haveria de faltar a aproximação ao PT e é do conhecimento do mundo mineral que a silhueta de Dantas se alastra por trás do escândalo chamado mensalão. A sentença do juiz De Sanctis não carece de qualidade literária e penetração psicológica na definição da personalidade do banqueiro, com seu currículo semeado de golpes, subornos, operações de espionagem e por aí afora.
Nesta condenação, o Brasil não é pioneiro. Foi precedido pelas Justiças de Cayman, Nova York e Londres. Por aqui, o andamento é de lentidão suprema. Não esqueçamos que a Operação Chacal, a da captura dos discos rígidos, remonta a mais de quatro anos atrás e até hoje deu em nada. Afirma-se que os discos foram abertos. Seu conteúdo, no entanto, é desconhecido pela opinião pública.
Em outras ocasiões, precipitei-me ao supor que o nó estivesse na iminência de ser desatado. Desta vez recorro a Danny Kaye.
(Mino Carta)
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