segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Drake, o fantasma

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Drake é um fantasma, mas ele não sabe disso. Apegado à vida, não percebeu que morria quando morreu. E, desavisado, continuou a viver depois de morto. Drake, o fantasma gay, habita a suíte 7A do Copacabana Palace, mas ainda chama o quarto de 720, número da suíte nos anos 40, época de sua juventude. Nascido na Inglaterra, Drake chegou ainda jovem ao Rio, em algum momento da década de 1930, acompanhando os pais e os irmãos mais novos numa viagem de turismo. Fascinado pela cidade, e rico até não poder mais, Drake desistiu de voltar à Inglaterra com a família – no que os próprios pais reconheceriam depois como uma grande sacada do primogênito, que livrou-se de presenciar os horrores da segunda guerra, iniciada alguns anos depois da viagem dos Drake ao Rio – e permaneceu vivendo o dolce far niente dos ricos, habitando pela eternidade o quarto 720 do suntuoso hotel em Copacabana.

Drake mal sentiu a passagem desses quase oitenta anos vividos (e morridos) no Rio. Namorou muitos homens e sempre pode ser um gay feliz (gay gay em inglês, desculpem a redundância). Desde que morreu, no entanto – na década de 1990 – tudo se tornou meio estranho e etéreo – as pessoas não falam mais com ele, os garçons e as arrumadeiras não respondem mais às suas perguntas e pedidos, e de vez em quando famílias inteiras, ou casais em núpcias, simplesmente invadem sua suíte, sem lhe dar a mínima atenção. Trocam de roupa, assistem à tv, comem e bebem sem sequer lhe dirigir um olhar. Chegam a transar na frente dele! Mas tudo isso é encarado com naturalidade por Drake, que credita tudo aos sintomas da velhice. Sua avó Daisy sempre comentava com ele quando criança, nos inesquecíveis e distantes verões na fazenda da família em Bath, sobre os padecimentos dos anciãos. Dores nas juntas, dores nas costas, sono leve, alheamento. Sensação de que ninguém mais olha pra você. Mas naquele tempo Drake era jovem e todas aquelas conversas da grandmother Daisy pareciam pura e simples conversa de velho.

Agora ele entende. Tem estranhado muito que os belos rapazes da praia não lhe dirijam mais olhares ou palavras, mas que diabo, está velho agora e já teve sexo suficiente durante seus anos dourados. Às vezes pega-se melancólico –  numa melancolia que só fantasmas conhecem -, olhando o horizonte perfeito do mar e comparando-o a uma imensa mesa de vidro. Ainda assim, não há estranhamento ou melancolia que lhe tire o maior de todos os prazeres, talvez a única e definitiva razão que fez com que Drake abandonasse a vida insossa da Ilha do Norte para viver na Cidade Maravilhosa: os revéillons na praia de Copacabana!

Ah, Drake nunca se cansará – por toda a eternidade – de se maravilhar com os fogos de artifício iluminando os céus de Copacabana, com tantas pessoas se aglomerando pela areia, dançando, cantando e oferecendo prendas às divindades pagãs que habitam as águas frias, belas e misteriosas. Quando sente a melancolia invadir sua alma, Drake pensa nos corpos suados emanando a beleza da vida, ao som da música sublime dos batuques e da brisa que nunca para de soprar do mar.

(Tony Bellotto - http://veja.abril.com.br/blog/cenas-urbanas)

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