domingo, 22 de agosto de 2010

Troque o celular por uma galinha gorda

.


O glorioso inventor da ansiedade, Alexander Graham Bell (1847-1922), deve se arrepender até hoje da sua patente telefônica. (Como Santos Dumont, dândi brasileiro em Paris, que maldisse do seu próprio brinquedo ao vê-lo nos céus da guerra).

Nestes tempos em que celular virou brinco, eternamente colado às "oiças" de madames, de moçoilas, de executivos e de modernos em geral, uma reflexão recente de dona Maria do Socorro, brava sertaneja, mãe deste que vos berra, vem como pílula mais do que apropriada: "Conheci teu pai, namorei, casei, engravidei de todos vocês, criei minha família, cuidei de tudo direitinho, graças a Deus não morreu nenhum... E nunca precisei dar ou receber um telefonema, nem unzinho mesmo!".

Mulher do sertão, que só pegou em um telefone depois dos 50 anos, anda revoltada com parentes e amigas que vivem grudados ao celular. "Tá todo mundo de pescoço torto, cabeça decaída para um lado, parecendo frei Damião, por causa dessa moda nova. Ora, voltem a pôr as cadeiras nas calçadas, na frente das casas, e vão conversar sem o diacho desses aparelhos."

A máxima aceleração de ansiedade à qual dona Socorro submeteu os seus batimentos cardíacos foram os berros do carteiro.

A lamúria da falta do telefonema do dia seguinte, protesto do novo código do bom-tom das moças, também é situação nunca dantes vivida. Sem a invenção do velho Graham Bell, o dia seguinte nascia sob aurora mais sossegada.

Antigamente, tudo dependia mesmo da dramaturgia do encontro. A onipresença amorosa e/ou comercial instaurada com o celular não era coisa deste mundo. Uma carta, no máximo, poderia ser uma estratégia, garrafa atirada ao mar de tantas Penélopes.

Um recado pelo rádio também valia, mas para casos de sumiços de verdade -cheguei a ser sub do sub-redator de programa do gênero, comandado pelo locutor Gevan Siqueira, na rádio Vale do Cariri, em Juazeiro, com recados amorosos e novelinhas à moda de "Tia Júlia e o Escrevinhador", de Vargas Llosa.

Deixemos de ser plantonistas do mundo. No amor, assim como nos negócios, não somos tão importantes a ponto de alimentar essa onipresença digital. Casanova amou centenas de mulheres sem precisar de um telefonema sequer.

No mundo dos negócios, muita gente também fez fortuna sem telefone, acreditando apenas no olho do dono como engorda caixa da bodega.

Quer jogar conversa fora, faça como a velha recomendação de um Jeca Tatu: "Mate uma galinha gorda no domingo e me convide para comer".


( Xico Sá, jornalista e escritor - Fonte: http://www.carapuceiro.zip.net)

7 comentários:

  1. Esta postagem é fantástica, realmente se pensar desta maneira o telefone nos subtraiu muito da vida, mas por outro lado é difícil retroagir no tempo e deixar de lado a evolução tecnológica. Me lembro de ocasiões em que as pessoas atualizavam as principais notícias em terços na casa de um ou de outro, na igreja no final de semana ou em pequenos grupos sentados à frente de suas casas, contemplando as estrelas no céu. Desta forma o tempo com as pessoas era mais valorizado do que hoje em dia. A escolha da postagem foi excelente, parabéns,
    Bjs,
    Vitor.

    ResponderExcluir
  2. Olá Berenice,
    Amei seu texto.
    Tenho aversão a telefone residencial imagina de celular, tenho carrego comigo, na maioria das vezes sem bateria e não tenho nem idéia do numero cada vez que preciso tenho pedir a meu filho.
    Meu carinho

    ResponderExcluir
  3. Ótimo post, nos faz repensar o verdadeiro valor da conversa ao vivo. Se pararmos para pensar, vivemos quase todo o tempo conectados de maneira involuntária, mas não inconsciente.
    O que falta é um choque de realidade nas pessoas. Agora, na época de eleições, é bom abrirmos os olhos, mesmo sabendo que não vai adiantar muita coisa.

    ResponderExcluir
  4. O Xico é ótimo! Tudo verdade!

    Beijos!

    ResponderExcluir
  5. Berenice, gostei do Hora do Recreio e de sua luta e gostaria de sua autorização para eventualmente postar algo publicado aqui seja de sua autoria ou de terceiros. Claro que com a identificação do autor e fonte.

    Aguardarei um posicionamento seu antes de publicar algo. Abs, e vamos 'a luta por um Brasil melhor.

    ResponderExcluir
  6. Mendes, tenho pouquíssimas postagens minhas. Esse blog é, na verdade, uma coletânea de notícias, crônicas, poesias e piadas que vou encontrando na net quando leio os jornais e revistas e também tem muita colaboração dos amigos que conhecem o blog e me enviam textos e sugestões por email
    Fico muito feliz por você ter gostado, obrigada, e, de minha parte, fique à vontade para publicar o que achar aqui, mas aconselho que sempre publique a origem (não o meu blog, mas de onde eu retirei) para não ter problemas com os autores.
    Abçs

    ResponderExcluir
  7. hahah, é verdade! Ela tem toda razão! E outra, estas promoções, "fale sem parar e ganhe mais tempo pra falar" é um incentivo a fofoca!! rsrsrs

    ResponderExcluir

Seu comentário é muito bem vindo.