quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Antonio Gramsci e a teoria do bode

.




Num debate de que participei na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, estava eu a expor a estratégia gramsciana da ocupação de espaços e da fabricação de consensos, quando meu oponente, desejando enaltecer a figura do ideólogo italiano que minhas palavras pareciam depreciar, alegou ser ele hoje em dia o autor mais citado em trabalhos universitários no Brasil e no mundo.

A platéia não resistiu: explodiu numa gargalhada. Nunca uma pretensa refutação confirmara tão literalmente as afirmações refutadas.

Mas a alegação em favor de Gramsci é correta. Se há um consenso imperante nos meios acadêmicos ao menos brasileiros, é aquele que faz do fundador do Partido Comunista Italiano o mais importante dos pensadores, mais importante, sob certos aspectos, do que o próprio Karl Marx.

Esse consenso produziu-se aliás pelos mesmos meios preconizados por Gramsci para a imposição de qualquer outra idéia: primeiro os adeptos da idéia "ocupam os espaços", apropriando-se de todos os meios de divulgação; depois conversam entre si e dizem que as conclusões da conversa expressam o consenso universal. 

A coisa, dita assim, parece um estelionato grosseiro. Ela é de fato um estelionato -- e na invenção desse estelionato consiste toda a pretensa genialidade de Antonio Gramsci --, mas não é nada grosseira: a fabricação do simulacro de debate chega ao requinte de forjar previamente toda uma galeria das oposições admitidas, que são precisamente aquelas cujo confronto levará fatalmente à conclusão desejada. As demais são excluídas como aberrantes, criminosas, sectárias ou não representativas. Não é preciso dizer que, no debate letrado nacional, eu em pessoa pertenço a essas quatro classes, ora de maneira simultânea, ora alternada, conforme as necessidades do momento, o que já levou mais de um gramsciano a me condenar, ao mesmo tempo, como um esquisitão isolado e como porta-voz dos donos da mídia...

Que essa cínica engenharia de dirigismo mental passe hoje por sinônimo de "democracia", é algo que a perfídia consciente só explica em parte. Na cabeça dos gramscianos, acontece também um fenômeno muito estranho, que exemplifica a famosa "teoria do bode". Você está com problemas, põe um bode dentro de casa e logo os seus problemas desaparecem, obscurecidos pela presença de um bicho que come todas as suas roupas, os seus móveis, o seu dinheiro e os seus documentos. Então você manda o bode embora e fica sem bode e sem problemas. Esses comunistas passaram, no século vinte, as piores humilhações. Cada partido que formavam virava imediatamente uma máquina de controle repressivo interno, mais sufocante que a Inquisição. Se fossem perseguidos pela direita, isso lhe infundiria orgulho e autoconfiança. Oprimidos por seus próprios líderes, como é que ficava sua auto-imagem? Ninguém no mundo matou mais comunistas do que Lênin, Stálin e Mao Tsé-tung.
Eles superaram, nisso, todas as ditaduras de direita somadas. Isso dá um complexo danado, não dá? Bem, comparada aos horrores físicos do "socialismo real", a opressão meramente psicológica parece um alívio. De bom grado qualquer um de nós, entre o pelotão de fuzilamento e a manipulação gramsciana, escolheria esta última e até a celebraria como uma forma de "liberdade".

Tratados como cães por seus próprios mentores e chefes, os comunistas e socialistas, quando entram na atmosfera gramsciana, estão como um cachorro que foi tirado da carrocinha e amarrado à coleira do dono. Sua nova sujeição é o máximo de liberdade que ele pode conceber. É a vida sem bode.

O problema é que esses indivíduos de mentalidade escrava, sendo ao mesmo tempo, no seu próprio entender, o ápice da inteligência humana, não podem conceber que outras pessoas tenham experimentado doses de liberdade bem maiores. Libertos de Stalin e Mao, acham sua nova escravidão linda e confortável, e acreditam piamente que o restante da humanidade não aspira a outra coisa senão a dobrar servilmente a espinha às exigências do "consenso" gramsciano. Daí o orgulho, a alegria e o sentimento de sincera generosidade com que eles nos oferecem esse lixo, seguros de que é a coisa mais preciosa do mundo.

Alguns de nós são tolos o bastante para aceitar por mera educação a oferta desprezível, e acabam presos nas malhas do "consenso". 

Da minha parte, não quero saber de nada disso. Que vão oferecer a outro sua miserável liberdade de escravos satisfeitos. 


(Olavo de Carvalho - IEE, Edição Nº31 - 29 de Outubro de 2002 - Fonte: http://www.olavodecarvalho.org/textos/iee_gramsci.htm)


Antonio Gramsci 
(Ales, 22 de janeiro de 1891Roma, 27 de abril de 1937)




Político, cientista político, comunista e antifascista italiano.  
 
Antonio Gramsci nasceu no norte da ilha mediterrânea da Sardenha. Era o quarto dos sete filhos de Francesco Gramsci, um homem que tinha vários problemas com a polícia. Sua família passou por diversas comunas da Sardenha até finalmente instalar-se em Ghilarza.

Tendo sido um bom estudante, Gramsci venceu um prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universidade de Turim. A cidade de Turim, à época, passava por um rápido processo de industrialização, com as fábricas da Fiat e Lancia recrutando trabalhadores de várias regiões da Itália. Os sindicatos se fortaleceram e começaram a surgir conflitos sociais-trabalhistas. Gramsci frequentou círculos comunistas e associou-se com imigrantes sardos.

Sua situação financeira, no entanto, não era boa. As dificuldades materiais moldaram sua visão do mundo e tiveram grande peso na sua decisão de filiar-se ao Partido Socialista Italiano.

Gramsci, em Turim, tornou-se jornalista. Seus escritos eram basicamente publicados em jornais de esquerda como Avanti (órgão oficial do Partido Socialista). Sua prosa e a erística de suas observações lhe proporcionaram fama.

Sendo escritor de teoria política, Gramsci produziu muito como editor de diversos jornais comunistas na Itália. Entre estes, ele fundou juntamente com Palmiro Togliatti em 1919 L'Ordine Nuovo, e contribuiu para La Città Futura.

O grupo que se reuniu em torno de L'Ordine Nuovo aliou-se com Amadeo Bordiga e a ampla facção Comunista Abstencionista dentro do Partido Socialista. Isto levou à organização do Partido Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partido desde sua fundação, porém subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança em 1924. Suas teses foram adotadas pelo PCI no congresso que o partido realizou em 1926.

Em 1922 Gramsci foi à Rússia representando o partido, e lá conheceu sua esposa, Giulia Schucht, uma jovem violinista com a qual teve dois filhos.

Esta missão na Rússia coincidiu com o advento do fascismo na Itália, e Gramsci - que a princípio havia considerado o fascismo apenas como uma forma a mais de reação da direita - retornou com instruções da Internacional no sentido de incentivar a união dos partidos de esquerda contra o fascismo. Uma frente deste tipo teria idealmente o PCI como centro, o que permitiria aos comunistas influenciarem e eventualmente conseguirem a hegemonia das forças de esquerda, até então centradas em torno do Partido Socialista Italiano, que tinha uma certa tradição na Itália, enquanto o Partido Comunista parecia relativamente jovem e radical. Esta proposta encontrou resistências quanto a sua implementação, inclusive dos comunistas, que acreditavam que a Frente Única colocaria o jovem PCI numa posição subordinada ao PSI, do qual se tinha desligado. Outros, inversamente, acreditavam que uma coalizão capitaneada pelos comunistas ficasse distante dos termos predominantes do debate político, o que levaria ao risco do isolamento da Esquerda.

Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Veneto. Ele começou a organizar o lançamento do jornal oficial do partido, denominado L'Unità, vivendo em Roma enquanto sua família permanecia em Moscou.

Em 1926, as manobras de Stalin dentro do Partido Bolchevista levaram Gramsci a escrever uma carta ao Komintern, na qual ele deplorava os erros políticos da oposição de Esquerda (dirigida por Lev Davidovitsch Bronstein e Zinoviev) no Partido Comunista Russo, porém apelava ao grupo dirigente de Stalin para que não expulsasse os opositores do Partido. Togliatti, que estava em Moscou como representante do PCI, recebeu a carta e a abriu, leu e decidiu não entregá-la ao destinatário. Este fato deu início a um complicado conflito entre Gramsci e Togliatti que nunca chegou a ser completamente resolvido. Togliatti, posteriormente, divulgaria a obra de Gramsci após sua morte, mas evitou cuidadosamente qualquer menção às suas simpatias por Trotsky.

Em 8 de novembro de 1926, a polícia italiana prendeu Gramsci e o levou a prisão romana Regina Coeli. Foi condenado a 5 anos de confinamento (na remota ilha de Ústica); no ano seguinte ele foi condenado a vinte anos de prisão (em Turi, próximo a Bari, na Puglia). Sua saúde neste momento começava a declinar sensivelmente. Em 1932, um projeto para a troca de prisioneiros políticos entre Itália e União Soviética, que poderia dar a liberdade ao Gramsci, falhou. Em 1934 sua saúde estava seriamente abalada e ele recebeu a liberdade condicional, após ter passado por alguns hospitais em Civitavecchia, Formia e Roma. Gramsci faleceu aos 46 anos, pouco tempo depois de ter sido libertado.

(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Antonio_Gramsci)
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é muito bem vindo.