quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Sítio politicamente incorreto - ou - Quem pode assegurar que Tia Anastácia não fosse quilombola?

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O SÍTIO POLITICAMENTE INCORRETO


O poderoso Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu emitir uma notificação de censura ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, que seria distribuído à rede de ensino do país. A conselheira Nilma Lino Gomes leu a obra e viu nela preconceitos contra a África e racismo. Exigem, então, os conselheiros, que o texto venha precedido de uma reprovação de seus desalinhos ideológicos com a nova realidade nacional. Tenho certeza de que não faltará quem se habilite a produzir esse importante prefácio corretivo. Seja qual for a estupidez, sempre há quem se considere capaz.

Dei uma investigada no Sítio do Pica Pau Amarelo, uma lida no livro e venho em socorro do Conselho: Caçadas de Pedrinho é politicamente incorreto de capa a capa! O sítio inteiro, aliás, está a exigir cuidadosa inspeção do Ministério Público Federal. Em primeiro lugar porque, há muito tempo, era para estar desapropriado (atenção, Incra!). Que negócio é esse? Uma propriedade rural com utilidade apenas ... literária? Péssimo exemplo para estar sendo apresentado à uma juventude que se quer cidadã e comprometida com as causas sociais.

Tem mais, conselheira Nilma. Cadê a certidão de propriedade do sítio? Alguém já a viu? E não me venha o branquela do "seu" Monteiro Lobato com uma simples trintenária julgando que seja suficiente. Não no Brasil moderno! Quem pode assegurar que Tia Anastácia não fosse quilombola? Detentora dos direitos culturais históricos protegidos pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal? Ou dos muito prováveis direitos de posse mencionados no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Hum? É admissível que uma republicação de Caçadas de Pedrinho, em tempos de Lula e Dilma, deixe de mencionar tais avanços da sociedade brasileira?

Na pesquisa que fiz, encontrei uma foto da negra Anastácia, datada de 1913 (está disponível na Wikipedia). Era magra, de meia idade. Na imagem, aparece tendo ao colo o menino Guilherme, filho de Monteiro Lobato. O autor, reiteradas vezes, admitiu publicamente, que essa Anastácia, essa pobre e infeliz Anastácia, havia inspirado a criação da personagem Tia Anastácia! Basta fazer as contas para perceber que a desventurada senhora foi, ela mesma, escrava. Fugida ou liberta, não importa. E acabou, mais uma vez, sendo explorada pelo patrão branco que promoveu o uso gratuito de seus evidentes direitos de imagem. Pode o Conselho Nacional de Educação silenciar sobre tal iniquidade? Referendar obra que escarnece valores tão significativos? Anota essa outra aí, conselheira Nilma.

Quer mais, o CNE? Debruce-se sobre o personagem Visconde de Sabugosa. Pondere, leitor. O visconde é um personagem da nobreza. Encarna saber e coragem física. Tantas vezes morresse, tantas vezes era ressuscitado com a simples troca do sabugo que compunha seu corpo. É ou não uma exaltação simbólica da elite nacional e de sua perpetuação através dos tempos? Pode haver algo mais antidemocrático e elitista do que um imortal representante da nobreza, além de tudo apresentado como encarnação da sabedoria e do destemor? Eu, hein! E para finalizar: cadê a autorização do Ibama para a Caçada do Pedrinho?



(Percival Puggina - http://www.puggina.org/)

4 comentários:

  1. Vou repetir a opinião que já deixei em outros comentários sobre o assunto: o que essa moça (não vou mencionar o nome porque é isso que ela quer) precisa é arranjar o que fazer. Nada mais!

    Um abraço, Berenice...

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  2. Olá Berenice!
    Que tipo de coisa é esta? Será que a vida é tão tediosa e desocupada para alguns, que a melhor distração que conseguem é este absurdo?
    Houve um tempo em que eu não sabia se podia descrever uma pessoa,( se me perguntassem lógico, porque se não, melhor era nunca fazê-lo!)como negra ou preta...lembra que então algumas pessoas para não ofender diziam : "pessoa de cor!" Qual cor? Sempre tem um oportunista por aí, querendo procurar sarna onde não há?
    Aprendemos a amar os personagens do sítio. Ninguém nunca quis ofender ninguém..e se eu subisse numa árvore hoje, meus netinhos, provavelmente brincariam comigo : Vó, desce daí que tá parecendo uma macaca!! Que mal há nisto?
    Só quero fazer uma perguntinha...
    Será que os crimes que os políticos cometeram até hoje, serão analisados retroativamente, com tal seriedade, como pretendem levar esta discussão? E, acima de tudo, minha constante revolta me força a complementar a pergunta:
    Serão punidos com algum rigor????
    Ofensa e preconceito são estes roubos que políticos fazem e ficam impunes, como se se tratassem de uma nova e protegida casta, que se julga superior a todos nós, quer sejamos negros, branquelos, pretos ou amarelos. E quando é que os amarelos, por falar nisto, vão processar todos nós por os chamarmos de "amarelos" ? A criança que há em mim, adora Anastácia ,mas nunca entendeu esta tal de cor "amarela"! E aí, como ficamos?
    Ai, cansei!
    Beijos, Vera.

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  3. Não ví ninguém se tornar mais ou menos racista por ler tal obra ou qualquer outra que seja, ao contrário até hoje sempre ouví elogios ao grande mestre Monteiro Lobato, mas sempre tem alguém mau intencionado querendo se aparecer e conquistar espaço na mídia. É lamentável.
    Excelente post,
    Vitor.
    http://www.multiflorafernandopolis.blogspot.com

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  4. souevandropassos@hotmail.com11 de novembro de 2010 às 17:48

    Olá Berenice.
    Esta moça foi colocada pela janela desta repartição de compadres. Não sabe da importâcia do Monteiro Lobado para a literatura brasileira.Quer trazer de volta as Santas inquisições para queima hereges, livros e desafetos do seu partido.

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