terça-feira, 28 de junho de 2011

Não é preciso ser diferente para ser gay

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Associar a homossexualidade à transgressão e ao 
excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político

Os homossexuais podem se tornar invisíveis. É só saberem dissimular ou mentir. Quando a primeira Parada Gay de São Paulo surgiu, um de seus objetivos era, justamente, dar visibilidade à parcela da comunidade LGBT que queria afirmar sua existência e entabular um diálogo com a sociedade.


O viés era político. O slogan da parada, "Somos muitos e estamos em todas as profissões", equivalia a uma apresentação. Os manifestantes queriam mostrar quem eram e o que faziam. Reclamavam participação no processo jurídico-social e pediam proteção contra o preconceito e a discriminação. Eram 2.000 pessoas, e o ano era 1997.


Desde sua primeira edição, no entanto, o aspecto político do evento foi cedendo espaço ao carnavalesco. A Parada Gay de São Paulo transformou-se em uma grande festa. A maior de seu gênero no mundo. Atrai número de pessoas equivalente à população do Uruguai.


Movimenta centenas de milhões de reais. A expectativa é de que traga mais de 400 mil turistas à cidade.


Explica-se o fenômeno da carnavalização da Parada com o argumento de que os gays são "divertidos". A utilização desse estereótipo, contudo, contribui para mascarar a irresponsabilidade cívica e a alienação política de parte da comunidade LGBT. Carnavalizar é fácil e agradável, mas é contraproducente.


O estilo exagerado que alguns participantes preferem adotar é legítimo e respeitável. Mas presta um desserviço para o avanço dos direitos à igualdade. O caráter festivo e a irreverência tiveram valor simbólico em um tempo em que a rejeição social contra a homossexualidade era incontornável. Acontece que as coisas mudaram.


Os milhões de pessoas que comparecerão ao evento na avenida Paulista deveriam ter presente a responsabilidade cívica de conquistar corações e mentes para a sua causa. O aspecto político da Parada exige certa sobriedade, ao menos em respeito às vítimas cotidianas da homofobia, no Brasil e no mundo. Hoje, o peso do discurso político tem de ser maior que a vontade de dançar.


A aceitação da homossexualidade pela opinião pública está vinculada à convivência com pessoas abertamente gays. Mostrar-se é importante. Nessa batalha, é mais estratégico exibir a semelhança. É mais difícil para o mundo identificar-se com o ultrajante.


Não se trata de exibir a orientação sexual, mas de garantir o direito pleno à liberdade de exercê-la. Associar o conceito da homossexualidade à transgressão e ao excesso pode ter valor estético, mas tem efeito negativo sobre o ritmo do processo político. Para gente que cresceu com uma escala de valores antagônica aos direitos humanos dos LGBT, o comportamento escandaloso exibido tradicionalmente nas paradas equivale à retórica raivosa de um Jair Bolsonaro. O papel da Parada é mostrar que os homossexuais são serem humanos comuns, que têm direito a proteção e respeito, como qualquer outro cidadão.


Ninguém precisa ser diferente para ser gay. Não é necessário transformar-se na caricatura de si mesmo.




(Alexandre Vidal Porto é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), diplomata de carreira e escritor. - Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2606201108.htm)
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