sábado, 24 de setembro de 2011

Transtorno do Pânico – Quando o alarme falha

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Novos avanços sobre a origem de uma das doenças mais comuns do Século XXI


Com certeza, em algum momento da vida, muitas pessoas já tiveram o desprazer de acordar daquele gostoso momento de sono durante a madrugada, despertados subitamente pelo som estridente de um alarme de carro. Ou talvez estivessem se dedicando a escrever um relatório importante no trabalho, e aquele mesmo som chato chegou subitamente para acabar de vez com a concentração!

A quantidade de veículos furtados hoje em dia é muito elevada. Muitas pessoas não dispõem de garagem e são obrigadas a deixar o carro na via publica. Recorrem ao alarme como forma de proteção do tão estimado automóvel. Mas porque tantas vezes os alarmes de carro disparam sem nenhum motivo aparente? Muitas vezes olhamos pela janela, e vemos que não há perigo algum próximo do carro com aquele alarme chato. Talvez isso contribua ainda mais para nossa irritação, não é mesmo?

Não é interessante esse mecanismo, em que um dispositivo é feito para evitar um problema, e ele próprio se torna um problema ainda maior para o proprietário do carro, disparando desordenadamente e sem motivo aparente? Curiosamente, pesquisas recentes têm mostrado que o Transtorno de Pânico é uma doença que atua de forma muito parecida a um alarme defeituoso. O diferencial é que esse falso alarme ocorre dentro do cérebro humano.

O transtorno de pânico é uma psicopatologia bastante comum em consultórios e clínicas hoje em dia. É caracterizado por ataques recorrentes e inesperados de pânico, acompanhados por um estado de ansiedade que se estende por pelo menos um mês acerca da possibilidade de novos ataques e das possíveis implicações ou consequências desagradáveis decorrentes dessas reações. O ataque de pânico é definido por terror ou medo intenso na presença de taquicardia, hiperventilação, pressão arterial elevada, asfixia, náusea, desconforto abdominal, tontura, dores no peito e sensações subjetivas de pavor e morte iminente (Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais, DSM-IV-TR, 2003).

De forma geral, a emoção maior da qual o pânico é apenas uma expressão é o medo, um mecanismo de alarme que não é peculiar ao ser humano, mas se manifesta em praticamente todos os organismos vivos na natureza. O medo origina-se do contato dos organismos vivos com dois tipos de estímulos de perigo: os inatos e os aprendidos (Ledoux, 1998). Os estímulos inatos referem-se a situações que ao longo da evolução foram selecionadas como fontes de ameaça à sobrevivência da espécie. O medo de sons muito fortes e súbitos é um exemplo típico em vários animais e seres humanos. Quem nunca se assustou ouvindo um barulho alto e repentino do estouro de um balão em festas infantis?

Outros estímulos, no entanto, passam a sinalizar perigo por meio de um processo de aprendizagem conhecido como condicionamento clássico, quando estímulos inofensivos são pareados, ou associados, a estímulos aversivos ao organismo. Muitos de nós passamos a ter medo e olhar de forma diferente uma pessoa que ficou associada no passado a alguma experiência ameaçadora em nossa história de vida.

As estruturas e os mecanismos neuroanatômicos no circuito natural de alarme do medo incluem circuitos neuronais do córtex cerebral, do tálamo, amídala, hipotálamo e hipocampo. De maneira resumida, os estímulos sensoriais chegam ao tálamo, de onde seguem dois caminhos, simultaneamente. O primeiro deles, a via tálamo-amídala, é uma via curta e rápida. A segunda via, que passa também pelo córtex, é mais longa e mais elaborada.

A primeira via produz respostas rápidas. Ao identificar o estímulo (inato ou aprendido) como ameaçador, a amígdala, além da sensação de medo, automaticamente dispara uma reação de alarme, via duas estruturas cerebrais, o hipotálamo e a matéria cinzenta periaquedutal. O hipotálamo transmite impulsos nervosos para as glândulas suprarrenais, ativando então a divisão simpática do sistema nervoso autônomo, levando às manifestações imediatas de medo, tais como taquicardia, sudorese, pupilas dilatadas, etc. Muitas pessoas já tiveram a experiência de estar em um acampamento, e sair para uma caminhada para conhecer a região ao redor. De repente, dão um pulo de susto ou retiram o pé do chão rapidamente ao pisar em alguma coisa estranha! Que susto! Só depois se tranquilizam ao ver que pisaram em um simples graveto no chão! Imagine se fosse realmente uma cobra, e você precisasse vê-la primeiro antes de tirar o pé. Quem teria a resposta mais rápida: Você, ao puxar a perna; ou a bíblica cobra, ao injetar o veneno? Isso ilustra o quanto essa resposta rápida é necessária, e acontece mesmo sem que tenhamos consciência de que ela ocorra.

A segunda via do cérebro trabalha de forma mais refinada, além de ser mais longa, passando por mais circuitos integrativos. Nessa via os estímulos sensoriais são integrados, identificados e dotados de significados pelo córtex pré-frontal, antes de serem repassados à amígdala. O hipocampo também atua, exercendo entre outras, a função de comparar a experiência atual com experiências passadas. Também é capaz de considerar o contexto em torno do medo. Um exemplo seria uma pessoa que está no circo, e se depara com um leão enjaulado. Após a informação visual atingir o cérebro, a amígdala dispara uma pequena reação de alerta, mas o contexto (o fato de o animal estar preso, processado pelo córtex) parece interromper as reações de medo daquele leão que já vimos caçando e devorando ferozmente zebras em programas na televisão!

O medo e a reação de alarme nos circuitos cerebrais descritos são provocados por estímulos repentinos que surgem diante de um ser humano ou animal, mantêm-se durante certo período e em seguida cessam. Algumas circunstâncias, entretanto, fazem com que o medo torne-se crônico: O estímulo pode permanecer próximo; surgem estímulos condicionados que prolongam o medo inicial, ou o indivíduo desenvolve expectativa de perigo ou ameaça futura.

Dessa forma parece surgir a ansiedade, um estado de tensão ou apreensão cujas causas não são necessariamente produtoras de medo, mas normalmente de expectativa de que algo não venha a se realizar conforme o esperado em um futuro próximo. Curiosamente, a ansiedade aparece mesmo sem que não tenhamos consciência do que é esse algo tão esperado! Mas esse estado de ansiedade pode ser considerado normal até certo ponto. Nos tempos atuais, em que a Internet ajudou a acelerar as reações das pessoas até o limite do suportável, sentimos ansiedade quase diariamente. Mas ela só é normal enquanto não começa a provocar sofrimento na pessoa (Lent, 2004).

Conforme falado no início desse texto, o transtorno de pânico é bastante estudado. A doença também intriga alguns pesquisadores, pois a sintomatologia descrita é em grande medida diferente da de outros transtornos de ansiedade. Rapee, Sanderson, McCauley & Di nardo (1992) encontraram diferenças significativas entre os sintomas de ansiedade relatados por pacientes portadores de alguns transtornos de ansiedade e portadores de transtorno do pânico. Segundo os pesquisadores, os pacientes portadores do último transtorno relataram sensações mais intensas de parestesia, desrealização, dispnéia, medo da morte e medo de perda de controle do que as sensações dos mesmos sintomas em pacientes portadores de fobia específica, fobia social e transtorno obssessivo-compulsivo, outros transtornos de ansiedade bastante comuns nos consultórios hoje em dia.

A grande novidade é que os achados dos pesquisadores citados podem estar em consonância com os estudos sobre o papel do neurotransmissor serotonina (5-HT) na ansiedade e no transtorno do pânico. Estudo contemporâneo de Graeff (2003) sobre o papel da 5-HT na ansiedade mostrou que a 5-HT facilita a ansiedade, entretanto inibe o pânico. Os estudos do pesquisador sobre essa hipótese têm sido testados no modelo animal de ansiedade e pânico denominado labirinto em T-elevado, e também por meio de procedimentos experimentais geradores de ansiedade aplicados em pacientes sadios e portadores de transtorno de pânico.

No modelo animal de ansiedade, os inofensivos ratos brancos de laboratório (dos quais muita gente, especialmente as mulheres, têm medo!) são inicialmente posicionados por três vezes na extremidade aberta de um labirinto elevado em relação ao solo, formado por dois braços abertos, cruzado por dois braços cercados de paredes, no qual a entrada de um dos últimos é fechada.

Em seguida, o mesmo animal é posicionado na extremidade de um dos braços abertos, e o tempo de saída do mesmo ao executar uma fuga é medido. O estudo mostrou que o tratamento dom drogas antidepressivas inibe a fuga do braço aberto. Para avaliar a hipótese de que a 5-HT modula a ansiedade em sentidos opostos, os pesquisadores realizaram diferentes manipulações farmacológicas, aumentando ou diminuindo a dosagem da droga na amígdala e matéria cinzenta periaquedutal dos animais.

Em resumo, os experimentos realizados mostraram que drogas agonistas, facilitadoras da ação da 5-HT na amígdala, também facilitam a esquiva do braço aberto, enquanto antagonistas (inibidores da ação do neurotransmissor) prejudicam a tarefa. No caso da matéria cinzenta periaquedutal, aumentos da 5-HT nessa região cerebral resultam na inibição da fuga do braço aberto, ao contrário da diminuição, que tem como resultado a fuga.

O teste da mesma hipótese em seres humanos mostra resultados intrigantes em parte desse circuito de alarme! No caso, participantes foram submetidos a dois modelos de ansiedade. O primeiro deles avalia o aumento da condutância elétrica da pele produzida por um tom, antes e depois de associação com ruído intenso. O segundo avaliou o aumento da ansiedade produzida pela ansiedade ao se falar diante de uma videocâmera.

Os resultados mostraram que drogas que aumentam a 5-HT facilitam a condutância elétrica, enquanto atenuam a ansiedade ao se falar em público. O contrário também é verdadeiro. Drogas que reduzem a 5-HT diminuem a resposta galvânica da pele (RGP), porém aumentam a ansiedade ao se falar diante da câmera.

Graef (2003) explicita que um déficit de 5-HT na matéria cinzenta periaquedutal talvez possa participar da fisiopatogenia do transtorno do pânico, enquanto o aumento de ação da serotonina na mesma região medeia a ação antipânico de medicamentos antidepressivos. Não é por acaso que o medicamento de escolha dos psiquiatras utilizado para cortar os ataques de Pânico frequentes são os antidepressivos, e não os ansiolíticos. Estes últimos são prescritos normalmente para aliviar os sintomas em uma crise que já está ocorrendo.

Dessa forma, se você possui a doença ou conhece alguém que sofra com ela, saiba que o tratamento farmacológico associado à terapia cognitivo-comportamental têm se mostrado como as melhores alternativas hoje em dia para as pessoas que querem se ver livres dos ataques de pânico.

Concluindo, vimos que a natureza nos dotou de um mecanismo de alarme de medo bastante providencial, mas que às vezes pode falhar para algumas pessoas. Da mesma forma que a aquisição de um alarme de automóvel pode parecer para alguns uma despesa extra, desnecessária ou pouco inspiradora, falhando por provocar ruídos sem motivo, mas que na realidade é a solução para tentar garantir a presença do seu carro todos os dias no local onde você o deixou na noite anterior.





(Fernando Miranda - Mestre em Ciências do Comportamento e psicólogo forense no Tribunal de Justiça do Distrito Federal - Fonte: http://www.ibneuro.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=529:transtorno-do-panico-quando-o-alarme-falha&catid=3:artigos&Itemid=63)
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