sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O que os olhos não veem

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Não é só a corrupção que tira dinheiro para a solução de nossos problemas. Obviamente, ela incomoda mais porque ofende a ética dos bons princípios, mas há outras formas que impedem que determinados anseios da sociedade se concretizem.



Seguramente, o desperdício de dinheiro público é maior na ineficácia de projetos que não são concluídos ou se realizam sem a devida qualidade.


A corrupção vem da porcentagem de um projeto. O dinheiro gasto no projeto todo e que não vira nada de útil à população é uma porcentagem muitas vezes maior. Como esse montante não é levantado sistematicamente nem com a merecida precisão, a sociedade não sabe quanto perde por ano.


Contudo, mais difícil ainda de se enxergar são as opções que os governos fazem no emprego do dinheiro. O orçamento, como todos sabem, é autorizativo. Não significa que o que lá está será gasto. Com a existência de vários orçamentos e de empresas estatais independentes, o quadro fica confuso para o cidadão comum. E a mídia raramente se aventura a esclarecê-lo.

Às vezes, o faz episodicamente.



O Brasil gasta cerca de 16 bilhões com o Bolsa-Família. Muita gente o critica por seu aspecto assistencialista: dá o peixe e não se preocupa em ensinar a pescar. Em parte, se vê pouco interesse do governo em criar uma porta de saída para os contemplados, de modo que consigam gerar a própria renda. Ainda assim, o Bolsa-Família é um programa muito bom de transferência de renda. Chega direto à ponta e gera desvios mínimos. Vai direto à veia do necessitado, evitando a burocracia.


Por outro lado, o Brasil gasta 30 bilhões/ano transferindo dinheiro de todos, inclusive dos mais pobres, para o BNDES financiar empresas. Financiar empresas é bom, mas não com o subsídio do Tesouro. Poderia ser direcionado a políticas sociais como Saúde, Educação e Transporte.


O subsídio vem da diferença entre a taxa de juros que o BNDES cobra por empréstimos (TJLP hoje=6%/ano) e a que o Tesouro paga (dinheiro de todos) para se financiar (Selic atual=12%).


Transfere renda dos mais pobres aos mais ricos. Além disso, há subsídio também nas transferências do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) ao BNDES, dinheiro arrecadado dos empregados. Tudo junto são 30 bilhões, batizados de "Bolsa-Empresário".


Pior ainda é a "Bolsa-Banqueiro", nome dado pelo professor Simão Silber. O governo compra dólares para fazer reservas, cujo montante é hoje maior que o necessário para enfrentar crises, segundo vários economistas.


São 70 bilhões/ano. Vêm da diferença entre os juros pagos pela dívida para comprar dólares, a taxa Selic e a rentabilidade das reservas, aplicadas quase tudo aplicado no Tesouro americano a quase zero de juros.


A "Bolsa-Banqueiro" e a "Bolsa-Empresário" correspondem a mais de seis Bolsas-Famílias. São uma opção que está embaixo do tapete.


Há também créditos fartos e subsídios à indústria automobilística, que não precisa por "estar bombando" e tem previstos investimentos de 5 bilhões da iniciativa privada para a construção de nove novas fábricas, dando emprego a 20 mil pessoas.


Enquanto isso, o metrô que é escasso, está lotado e gera muito emprego, inclusive especializado, paga 40% de impostos, na sua construção, que não são aliviados.
Ou seja, na hora de dar desconto de imposto, o carro tem prioridade sobre o metrô. São opções equivocadas e cruéis.


O trem-bala é outra delas. Com metade dos recursos que nele se gastarão poderíamos ter mais 25 km de metrô em São Paulo e mais 25 km no Rio.


É assim que escolhemos gastar nossos recursos. É esquizofrênico. O Brasil quer uma coisa e faz outra.


O que os olhos não veem, o coração não sente.




(José Luiz Portella - http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joseluizportella/972100-o-que-os-olhos-nao-veem.shtml)
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2 comentários:

  1. Com certeza ao capitalismo consegue impor uma concentração de renda cada vez mais impiedosa a favor dos grandes. O marketing consegue criar uma ilusão, uma armadilha para aumentar mais essa transferência de renda. Exemplo disso são os empréstimos consignados. Não permitem nem mesmo que o humilde trabalhador ou aposentado receba integralmente o seu os seus proventos.

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  2. Todas as pessoas, sem exceção, incluindo eleitores, ocupantes e ou candidatos a cargos políticos, sabem que o mais pesado e o mais comum tipo de corrupção é o que resulta das relações ou dos laços políticos entre duas ou mais pessoas, mais precisamente, entre candidados, ocupantes de cargos políticos e o eleitor.
    É a troca de favores; é a compra de voto; é a troca de promessas possíveis e impossíveis; reais e irreais.
    Quem já leu DOM CARLOS CORLEONE, HONORÁVEIS BANDIDOS, MEMÓRIAS DAS TREVAS E OUTROS LIVROS SEMELHANTES, INCLUSIVE TANTOS ARTIGOS E TANTAS REPORTAGENS, sabe um pouco mais destas verdades crescentes e mais que comuns.
    Mas cadê a determinação para combatê-la e de modo fulminante?
    De onde extrair a coragem para extirpar as raizes?
    Na antiga arábia havia apenas 40 ladrões.
    E no Brasil, quantos e quais são os corruptos?
    50% ou mais dos ocupantes de cargos políticos?
    50% ou mais dos eleitores?
    Claro que são tarefas hercúleas apontar, separar, condenar ou prender tantos corruptos ou exigir devolução dos incalculáveis valores arrancados gulosa, ávida e desonestamente dos patrimônios públicos federal, estadual e municipal, principalmente, porque todas as vertentes do poder (executivo, legislativo e judiciário) estão envolvidas nesse abominável universo.
    Mas ainda é tempo de combater E DE HUMANIZAR A POLÍTICA. Sim. HUMANIZAR É A PALAVRA-AÇÃO, porque na atualidade, as pessoas estão em acelerada corrida para se desumanizarem. E é preciso frear essa derrocada. E em princípio, há muitos caminhos e estratégias, como por exemplo, promover concursos de idéias, livros, artigos, planos e afins, que apontem meios de evitar, restringir ou mesmo acabar com corrupção e outros crimes; exigir compromisso por escrito de candidatos a cargos políticos que vai reduzí-las, ao menos; exigir leis eleitorais e gerenciais de patrimônios públicos mais rigorosas; cassar, pelo voto popular, mandatos de políticos corruptos, etc.

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