Estou num elevador vazio, indo para o vigésimo andar. Entra um cara, e me olha. Eu, precavido, já estou de cabeça baixa. Fico tenso de dúvida: "Ele ousará falar?" - eu penso. "Falo com ele?" - ele pensa. Passam uns andares. "Ele não vai aguentar" - eu penso.
Não dá outra: "Você não é aquele cara da TV?".
"Sou... ha, ha" - sorrio, pálido, fingindo-me deliciado.
"Só que eu esqueci teu nome... Como é teu nome mesmo?"
Penso em enforcá-lo na gravata de bolinhas, mas respondo: "Arnaldo".
"Não; é outro nome. Qual é mesmo?" Desesperado, murmuro: "Jabor"... "É isso, porra! Claro... E é você mesmo que escreve aquelas coisas...?" Penso, sorrindo: "Não..., é tua mãe que me manda lá da zona...". Como eu apareço peruando na TV, dá nisso. O sujeito pensa que é íntimo, pois quando ele transa com a mulher de noite, estou olhando da tela.
Este é um pequeno exemplo, pois a galeria de chatos está em permanente renovação. Eu já escrevi aqui sobre isso, mas tenho de repetir, porque eles evoluem e agora se expandem pelas redes sociais. São os novos chatos digitais que abundam (sic) nos twitters e facebooks. Podemos chamá-los de "e-chatos" que me atormentam com e-mails loucos ou produzem textos ridículos com meu nome.
Todo dia surge uma nova besteira, com dezenas de e-mails me elogiando pelo que eu "não" fiz. Três senhoras me abordam - "Teu artigo na internet é genial! Principalmente quando você escreve: 'As mulheres são tão cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...'".
"Não fui eu...", respondo. Elas não ouvem: "Modéstia sua! Finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres! Você também escreveu que 'bunda dura' não é importante. Fiquei felicíssima, porque tenho bunda mole!". (Juro que é verdade.)
Há um outro texto rolando (e elogiado), em que louvo a estupidez humana, chamado "Seja Idiota!"... É um sucesso entre imbecis...
Mas, além dos "e-chatos", não podemos nos esquecer dos chatos ao vivo, que também mudam e se reinventam.
Claro que gosto de conversar com eventuais leitores ou ouvintes. Não sou tão chato assim. Muitos são ótimos e gentis. Mas, tem cada um...
O fundador da estirpe dos chatos é o célebre "chato de galochas", cujo nome provêm do sujeito que calçava as galochas e saía de casa com chuva torrencial para chatear alguém a domicílio. Seria o chato "on delivery".
Agora, surgiu um tipo perigoso: o "chato-autocrítico". Ele chega com um sorriso constrangido e confessa logo de saída: "Eu sei que sou chato... ha... ha..., mas desculpe eu perguntar: na sua opinião, o Lula vai voltar?".
Além do autocrítico, há o chato-crítico, ou o "chato do mas". Ele te agarra na rua e começa com elogios rasgados: "Você é o máximo; aquele teu artigo foi legal, mas... (trata-se do "chato do mas") você disse uma besteira horrível, outro dia - o PIB da China não é aquele que você falou... Tá por fora! Tem de ler mais economia, hein? Ha, ha".
Há também os "chatos de esquerda" e "chatos de direita". Ambos me empurram contra uma parede e me doutrinam sobre o Brasil. Acham que sabem tudo. E vejo que os dois chatos ideológicos se encontram no infinito, pois a essência da chatice é a certeza...
Outro tipo terrível é o que te elogia pelos piores motivos: "O que mais gosto em você é o desprezo que você tem por esse povo ignorante e vagabundo. Brasileiro não presta...". Pode?
Outro dia, sofri um assédio inédito: os "chatos em dupla". Eu estava no aeroporto, às oito da manhã, quando eles vieram. Veio um e começou a me inquirir gravemente sobre o Oriente Médio. Suando frio, comecei a resmungar com a boca pastosa, quando surgiu um outro, desconhecido do primeiro. Eis que o novo chato interrompeu o titular da posição com perguntas ansiosas, "se eu achava que a Dilma estava indo bem", etc... Aí, deu-se o conflito: os dois passaram se digladiar na minha frente pelo direito 'hierárquico' de me encher o saco. "Eu cheguei primeiro, tenho prioridade, depois você fala! Sim, não!" Parei de sofrer e fiquei maravilhado com a rica 'biodiversidade' da espécie. Neste instante, surge outro chato, o famoso "altissonante", que me agarra e berra: "Cara, eu te adoro! Sou teu fã!" e me bate violentamente nas costas, num elogio com laivos de insulto e vingança. É assim...
Nesta nova galeria, há veteranos, como o chato da Ponte Aérea... Ele fica à espreita na sala de embarque; quando você entra, ele já te viu de longe... Você pensa: "Será que ele me viu?". Você finca os olhos no jornal, com temor e esperança. Dali a pouco, passos a teu lado, uma maleta pousa no chão e ele gruda: "Posso lhe dizer uma coisa?... Acho que você devia falar menos de política e ver o lado humano do cidadão comum... Veja eu, por exemplo; sofri muito quando minha mulher me largou, mas posso lhe aconselhar que o amor, meu caro...". Trata-se do "chato conselheiro", que, em geral, te deixa um cartão de visitas: "Se precisar, liga".
Também lembro sempre do "chato-corno". Eu tomando um cafezinho no aeroporto, oito da manhã, indo para Porto Velho. Vem o cara no celular, falando alto: "Ihh..., meu amor..., sabe quem está aqui ao meu lado?... O Jabor..., quer ver?". Se vira para mim e: "Fala aqui com minha namorada; o nome dela é Eliette".
Um dia, houve a apoteose do chato do autógrafo. Fazia eu um modesto xixi num banheiro de cinema, quando o cara chegou: "Me dá um autógrafo?". Fiquei uma arara: "Estou fazendo xixi..., porra..., tu quer o quê?". E ele: "Qual é a tua? Tá pensando que eu sou viado? Enfia esse autógrafo, etc...".
Em geral o chato é carente, com uma ponta de sadismo. Ele gosta de ver teu sofrimento; por isso, não adiantam respostas malcriadas, resmungos frios. Ele gruda mais. Uma técnica que funciona é chatear o chato. Seja o chato do chato. Ele pergunta: "Você vai fazer outro filme, já que esse não deu grana?". Aí, você retruca: "O que você está achando do PMDB?".
O Tom Jobim, uma das maiores autoridades em chatos de todos os tempos, me ensinou um truque infalível: "Use óculos escuros. O chato fica desorientado, pois ele adora ver o próprio rosto refletido em teus olhos desesperados".
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