quarta-feira, 14 de julho de 2010

O presidente fora-da-lei reage ao cartão vermelho com mais pontapés nos juízes

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Não existem brasileiros acima da lei. Existem os cumpridores da lei e os fora-da-lei. Ao colecionar delinquências que afrontam o cargo que ocupa e o Tribunal Superior Eleitoral, o presidente da República se incluiu acintosamente na segunda categoria e reduziu a contraventores aprendizes os governadores cassados por safadezas eleitoreiras. É preciso detê-lo agora. Ou o Judiciário enquadra Lula ou Lula desmoraliza o Judiciário. Não existe uma terceira opção.

A debochada reincidência desta terça-feira sublinha com tinta vermelha essa advertência feita pela coluna no começo de junho. De volta de mais uma viagem inútil, o presidente fora-da-lei começou a entender o que é um mandato em seu ocaso. Há trinta anos no palanque, enfim vai descobrindo que precisa pensar em algum emprego. Daqui a 170 dias, acordará longe do Palácio da Alvorada e sem direito a entrar sem bater no gabinete que já não será seu.

Devolvido ao Brasil real ─ sem ajudantes-de-ordens, sem agentes de segurança, sem carregadores de mala, sem o exército de empregados, assessores e secretárias, sem a multidão de áulicos, sem cartões administrativos, sem plateias amestradas, sem helicópteros, sem o Aerolula, sem intérpretes e, sobretudo, sem poder ─, Lula logo entenderá por que o general Golbery do Couto e Silva vivia dizendo que, no País do Carnaval, nasce capim na porta da casa de todo ex-. Os visitantes começam a rarear no primeiro mês e desaparecem no segundo. Há endereços mais lucrativos a frequentar.

Se Dilma Rousseff perder a eleição, Lula vai tentar a volta a Brasília no sereno, num Brasil que terá percebido o logro imenso da Era Lula. Se Dilma vencer, vai sonhar com o retorno já transformado em ilustração da regra sem exceção: toda criatura esquece que houve um criador e ocupa inteiramente o espaço político que herdou. Como a segunda hipótese é menos aflitiva, o chefe de governo se reduziu a chefe de campanha. E faz o que pode, e a lei não permite, para eleger a sucessora que inventou.

A fábrica de mentiras em funcionamento desde janeiro de 2003 passou a trabalhar em três turnos depois da constatação feita pela FIFA: falta tudo para a Copa do Mundo de 2014. Nos últimos três anos, nada saiu do relatório que desenhava um Brasil com cara de Europa. “Precisamos construir estádios, estradas, o sistema de telecomunicações, aeroportos e ver mesmo se há capacidade suficiente em hotéis”, alarma-se o secretário-geral da entidade, Jerome Valcke. No caso, a primeira pessoa do plural é uma licença esportiva. Os cartolas internacionais estão fora desse “nós”, restrito aos pais-da-pátria que se metem em aventuras bilionárias e a nós, brasileiros comuns, que pagamos a conta.

“As providências estão impressionantemente atrasadas”, confirma o relatório do Tribunal de Contas da União. “Potencializa-se o risco de que o governo federal assuma custos não-previstos”, avisa o ministro Valmir Campelo. Confrontado com a onda de sinais de alerta, um estadista faria uma análise sóbria do quadro preocupante. Surpreendido pelo cartão vermelho da FIFA, Lula reagiu com mais pontapés nos juízes: fez outro comício criminoso.

Ao usar como pretexto a inauguração do lançamento do edital de um trem-fantasma, conseguiu superar-se. Há oito anos no poder, transferiu a culpa pelo que não fez para os presidentes dos 25 anos anteriores. No fim do segundo mandato, depois de ter agravado sensivelmente a situação falimentar do transporte ferroviário, prometeu que o trem-bala chegará antes da Copa do Mundo. Daqui a quatro anos.

Em junho de 2007, o Ministério dos Transportes informou que a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, estava em Roma para concluir a montagem do grupo de investidores estrangeiros ansiosos por embarcarem na maravilha sobre trilhos. A viagem entre o Rio e São Paulo duraria uma hora e 25 minutos. Pelo prazer de cruzar o Vale do Paraíba a 360 quilômetros horários, os passageiros pagariam US$ 60 por cabeça. Orçado em US$ 9 bilhões, o colosso mobilizaria dúzias de canteiros de obras durante oito anos. Mas valeria a pena: sem que o governo gastasse um só tostão, o Brasil inauguraria o primeiro trem-bala do subcontinente em 2015. Palavra de Dilma Rousseff.

Nesta terça-feira, Lula elogiou-se pela autoria da ideia, elogiou Dilma pela execução e avisou que a locomotiva estará apitando na curva em 2014. Sem maiores explicações, o que começará três anos mais tarde ficará pronto um ano mais cedo.

É cinismo demais e vergonha de menos. É muita vigarice.

(Augusto Nunes - Veja)

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