terça-feira, 7 de outubro de 2008

QUEM FOI QUE VOTOU EM MIM?

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A ultima coisa que Armando queria era candidatar-se a um cargo eletivo. Não gostava de política, tinha horror a campanhas eleitorais. Gostava, mesmo, era d ficar em sua pequena loja de calcados, atendendo a um ou outro raro freguês, lendo o jornal, conversando com o dono da lanchonete ao lado.
Foi portanto com consternação que recebeu o convite para lançar sua candidatura a vereador. Convite não. Na verdade tratava-se de uma intimação. Presidente de um minúsculo partido –uma dessas obscuras siglas que ninguém sabe exatamente o que significava –o tio contava com o apoio de amigos e, sobretudo, de parentes, para reforçar a legenda.
Nessa lista, Armando estava no topo. Por boas razoes: não era pequeno o numero de favores que o tio lhe emprestara: conseguira-lhe um empréstimo para que pudesse montar a sua loja, uma vaga num colégio próximo para o filho mais velho. Mesmo assim, tentou escapar aquela situação constrangedora. Foi falar com o tio, disse que não tinha vocação política, que não sabia como fazer campanha, que, para entrar naquilo, teria que sacrificar suas economias, isso num momento de crise mundial. O homem, porem, mostrou-se inflexível. Em desespero Armando lançou mao de um ultimo argumento: garantiu que não faria voto algum.
- Ouviu, tio? Nenhum voto!
O tio sorriu, incrédulo. Nenhum voto? Impossível. Então fez uma promessa: se aquilo fosse verdade, se Armando não conseguisse um único voto, nunca mais o incomodaria. O que deixou Armando satisfeito: ele tinha, sim a possibilidade de escapar da política.
Fez a sua inscrição e ate mandou confeccionar alguns santinhos, mas tratou de imediatamente, entrar em contato com familiares, amigos, conhecidos, fregueses, fornecedores; a todos dizia que sua candidatura resultava de uma obrigação, e que não queria voto algum.
Veio a eleição, e ele votou em branco, mas o dia seguinte foi, como costuma se-lo para todos os candidatos, de tensão e nervosismo. No caso dele, porem, a tensão e o nervosismo foram dando lugar a satisfação; de fato, urna após urna confirmavam sua expectativa. Ele não tinha nenhum voto. Já estava se preparando para telefonar para o tio (“Eu não disse, titio?”) quando veio a noticia inesperada, devastadora: numa urna de um bairro longínquo ele tivera um voto. Um único voto que, contudo, destruiu sua felicidade.
Agora ele esta atrás desse misterioso eleitor, que e, disso ele tem certeza, um cúmplice do tio – e inimigo dele, Armando. Precisa encontrar esse cara, precisa acertar as contas com ele. E uma causa, uma causa sagrada. Do mesmo tipo daquelas sagradas causas que, segundo muitos candidatos, representam a única razão pela qual pedem ao eleitor o seu voto.

Moacyr Scliar – Folha de SaoPaulo – 06/10/2008
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